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Brasil não tem direito ao esquecimento

Decisão do STF desfavorável ao direito ao esquecimento significa que casos de violação à honra, imagem e privacidade por conta de disseminação de informações devem ser avaliados individualmente

Por Pedro Tinoco e Victoria Francesca Buzzacaro Antongini*

Após longo debate, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram no último dia 11/02, por 9 votos a 1, que o reconhecimento ao direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal.

O direito ao esquecimento significa a possibilidade de impedir a divulgação de fatos ou dados verdadeiros e legalmente obtidos e publicados em meios de comunicação em razão da passagem de tempo.

O recurso analisado pelo STF foi apresentado pela família de Aída Curi, jovem assassinada em 1958, por meio do qual buscavam indenização pela reexibição, em 2004, em programa da TV Globo, dos fatos relacionados ao crime.

Em sua análise do caso, os ministros do STF entenderam que o ordenamento jurídico brasileiro não permite concluir, de forma genérica, que o direito ao esquecimento é um direito fundamental limitador que se sobrepõe à liberdade de expressão.

Também se ponderou que os veículos de comunicação têm o dever de retratar os acontecimentos ao seu público, sendo que em casos de fatos notórios e que passaram a fazer parte do domínio público, não cabe aplicação do direito ao esquecimento.

Por fim, os ministros declararam que o reconhecimento amplo, genérico e abstrato do direito ao esquecimento tem traços de censura prévia, o que deve ser repudiado com veemência.

Apesar de o recurso ter sido decidido em votação majoritária, uma parte dos ministros apresentou divergências parciais, indicando que a exposição humilhante de dados, imagens e nomes de pessoas deve gerar indenização, ainda que haja interesse histórico, público e social naquele fato.

Por tais razões, os ministros declararam a incompatibilidade do direito ao esquecimento com as disposições da Constituição Federal, tendo em vista que a aplicação do direito ao esquecimento de forma ampla e irrestrita fere a liberdade de expressão, devendo eventuais abusos serem analisados caso a caso.

Na prática, isso significa que as discussões sobre violação à honra, imagem e privacidade causadas pela publicação e disseminação de fatos e acontecimentos deverão ser avaliadas individualmente, não sendo possível aplicar o entendimento genérico de que a passagem do tempo impede a divulgação de fatos.

Como indicaram os ministros na decisão, o esquecimento pode suprimir fatos ou até mesmo acobertá-los, impedindo que seja construída a história de uma nação, sendo inadmissível “passar a borracha” na história.

A decisão do STF neste recurso tem repercussão geral, o que significa que deverá ser adotada como orientação para os juízes das demais instâncias, aplicando-se em casos semelhantes.

O caso julgado pelo STF é um marco importante para o debate sobre o tema no Brasil, no entanto é provável que o assunto continue repercutindo, tendo em vista que, na nossa sociedade cada vez mais digital, na qual as informações, verdadeiras ou falsas, têm se disseminado rapidamente e permanecido disponíveis, é cada vez mais comum que as pessoas queiram ser “esquecidas”.

* Pedro Tinoco é sócio do escritório Almeida Advogados e especialista em Propriedade Intelectual, Direito Empresarial, Contratual e Eletrônico.

*Victoria Francesca Buzzcaro Antongini é advogada do escritório Almeida Advogados, especialista em Propriedade Intelectual e Direito Eletrônico.

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