54% dos usuários de internet fixa não têm direito a regras de qualidade da Anatel

Para os advogados Laura Schertel Mendes e Marcio Iorio, da Universidade de Brasília, a excessiva assimetria em prol das PPPs estabelecida no Regulamento Geral de Direitos do Consumidor (RGC), é inconstitucional e precisa ser revisada.

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Mais da metade dos usuários de internet fixa que acessa o serviço de SCM (Serviço de Comunicação Multimídia) não é contemplada por várias das regras de qualidade do serviço da Anatel, estabelecida pelo Regulamento Geral de Direitos do Consumidor (RGC), cuja última revisão foi aprovada em novembro do ano passado. E essa realidade pode ser considerada inconstitucional, conforme o parecer dos advogados Laura Schertel Mendes e Marcio Iorio, também professores da Universidade de Brasília, em resposta a consulta formulada pela Claro, que anexou o estudo em suas contribuições à consulta pública formulada pela agência para o PGMC.

Conforme os dados de mercado de banda larga fixa do país compilados pelo Teleco, as operadoras enquadradas como PPPs pela Anatel são responsáveis hoje por 54% do mercado de banda larga fixa do país, superando as operadoras de grande porte em 23 estados da federação. E, desse total, nove grupos econômicos (Alloha Fibra; Americanet/Vero; Brisanet; Desktop; Algar; Unifique; Brasil TecPar; Alares e Ligga)   possuem mais de 50% do mercado em 482 cidades brasileiras, e, em 49 delas, essas empresas possuem mais de 90% do market share.

Para os advogados, o RGC aprovado pela Anatel “rifa direitos e encargos sem que os beneficiados sejam compelidos a avançar a proteção do consumidor, fazendo da finalidade maior do RGC – a defesa do consumidor – uma moeda de troca para outra finalidade subjacente concorrencial, como se esta fosse um bem jurídico superior ao da finalidade de defesa do consumidor. A aplicação de regras abrangentes que distribuem direitos e encargos indiferentes ao comportamento do regulado fere o desenho regulatório responsivo de atribuição conforme a obra do regulado e resulta em tratamento desproporcional de excessiva oneração de incumbentes ou, por outro lado, excessiva condescendência com novos entrantes, o que é ainda mais grave ao se dar às custas da defesa do consumidor”.

A lista de direitos consumeristas previstas nas regras do qualidade do RGC para os quais os clientes das operadoras de pequeno porte, ou classificadas pela Anatel como Prestadoras de Pequeno Porte (PPPs)- os operadores regionais que possuem menos de 5% do mercado nacional de clientes- é muito extensa. Entre eles, muitas das exigências são exclusivas aos clientes de Claro, Vivo, TIM, Oi e Sky, que são atualmente as únicas enquadradas pela Anatel como detentoras de Poder de Mercado Significativo (PMS).

A seguir a lista das regras de qualidade para as quais os clientes dos ISPs (operadores regionais de banda larga fixa) deixam de ter acesso:

  • Não tem direito a  canal de atendimento para serviços oferecidos conjuntamente
  • Não tem direito a canal para portadores de deficiência
  • Não tem direito a  acesso à  rastreabilidade do atendimento
  • Não tem direito de acesso ao histórico de demandas
  • Não tem direito a prazo mínimo para resposta
  • Não tem direito às contas dos últimos seis meses
  • Não tem direito ao relatório de serviços dos últimos seis  meses
  • Não tem direito a pedir cópia da gravação de suas interações
  • Não tem direito ao histórico das demandas dos últimos seis meses
  • Não tem direito ao perfil de consumo dos últimos seis meses
  • Não tem direito ao registro de todas as demandas.
  • Não tem direito a resgatar o histórico do serviço no mínimo seis meses após a rescisão contratual
  • Não tem direito a contratar serviço ou oferta automaticamente
  • Não tem direito a falar com call center nos finais de semana ou 24 horas por dia
  • Não tem direito à gravação da chamada
  • Não tem direito à atendimento presencial nas lojas
  • Não tem direito a saber das ofertas depositadas na Anatel pelas prestadoras de pequeno porte
  • Não tem direito a conhecer as ofertas presentes e passadas nas páginas da prestadora de pequeno porte
  • Não tem direito a planos especiais para inadimplentes
  • Não tem direito a planos pré-pagos
  • Não tem direito a saber do fim de seu plano com pelo menos 30 dias de antecedência
  • Não tem direito a saber previamente quando a oferta vai acabar
  • Não tem direito a saber previamente sobre os reajustes de preços
  • Não tem direito a saber previamente sobre a adesão de nova oferta
  • Não tem direito ao crédito já pago até a rescisão do contrato
  • Não tem direito a acessar o sistema de comparação de preços da Anatel
  • Não tem proteção segura contra as fraudes
  • Não tem direito à discriminação, na conta, dos diferentes serviços contratados
  • Não tem direito a saber do fim da franquia pré-paga antecipadamente
  • Não tem direito a saber quando o crédito vai acabar
  • Não tem direito a receber conta em separado, em caso de acordo

Conforme as novas regras de qualidade do regulamento, essas obrigações só precisam ser cumpridas pelas cinco operadoras que são, no momento, enquadradas como aquelas com Poder de Mercado Significativo (PMS), e não pelas demais operadoras do país. Para os advogados, essas “assimetrias atualmente existentes, aplicadas a prestadoras que, juntas, dominam o mercado de banda larga fixa, fazem com que a maioria dos usuários desse serviço no Brasil não sejam protegidos pelo RCG. Na prática, temos atualmente milhões de usuários tratados como de “segunda classe”, com tratamentos distintos, que não têm direitos considerados essenciais em regulamento, ou, alternativamente, direitos de fruição considerada supérflua onerando unicamente as grandes operadoras”.

Conforme as novas regras estabelecidas pela Anatel, os operadores regionais de banda larga fixa, ou os PPPs,  estão obrigadas a cumprir regras de procedimento para devolução de valores pagos indevidamente; a fornecer acesso, sem ônus, à ferramenta de consulta de créditos; e a fixar prazo máximo para atendimento às demandas dos usuários, ficando dispensados, no entanto, de cumprir toda a lista acima das demais exigências estabelecidas aos operadores de grande porte.

Para os pareceristas, essa situação demonstra a necessidade premente de ou se promover ou revisão das assimetrias regulatórias concedidas às PPPs, que atingem a concretização dos direitos da maioria dos consumidores, ou à revisão do próprio regulamento, pois, “se certas obrigações de proteção dos direitos do consumidor têm seu cumprimento dispensado para prestadoras de pequeno porte, tais deveres ou encargos administrativos não são essenciais aos direitos dos consumidores, e, portanto, tampouco poderiam ser exigidos das grandes operadoras”.

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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