Júlia Bortolotto: ISP deve o valor total de espectro devolvido? Não!

A advogada Julia Bortolotto defende que os regulamentos vigentes não exige das prestadoras de serviços de telecomunicações pagamento pleno pelo espectro devolvido à Anatel

Por Julia Amboni Búrigo Bortolotto * – A história é longa, iniciou em 2015 e passou por diversos processos administrativos junto à Agência reguladora até ser judicializado.

Em suma, a discussão trata da cobrança indevida, pela ANATEL, de preço público pelo uso de radiofrequência.

Inúmeras são as empresas participantes da Licitação n. º 2/2015-SOR/SPR/CD-ANATEL, através da qual a ANATEL leiloou lotes de exploração de radiofrequências nas faixas de 1.800 MHz, 1.900 MHz e 2.500 MHz para a prestação do Serviço Móvel Pessoal (SMP), Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) e Serviço Limitado Provado (SLP).

Segundo a própria ANATEL, o enfoque do citado Edital era a expansão da oferta na prestação dos serviços de provimento de internet por meio de estímulo à atuação de Pequenos Provedores, e foi aí que os clientes do nosso escritório passaram as nos consultar.

É que, para iniciar a operação, seria necessário investimento em equipamentos, notadamente estações transmissoras de radiocomunicação. Porém, a realidade de mercado apresentada, pegou todas as concorrentes da Licitação de surpresa, no sentido da inviabilidade.

Em poucos meses se constatou que a proposta de oferecer aos usuários novas opções de serviços, através de empresas de menor porte, restaria frustrada. Em outras palavras, as empresas regionais, participantes do Leilão de sobras de radiofrequência, não conseguiriam disputar o espaço ao qual se propuseram quando lançado o Edital.

Basicamente, os equipamentos de radiodifusão para as frequências disponibilizadas pela ANATEL, não estavam disponíveis no mercado nacional. As grandes fabricantes do mercado externo pediam prazos extensos para produzir e o custo, por lógica, era altíssimo, ao ponto de ser inviável.

Transcorrido o prazo de 18 meses previsto em Edital para entrar em operação – em que nosso time atuou no requerimento administrativo de prorrogação do prazo – diante da extrema dificuldade em encontrar fornecedores que atendessem à condição economicamente viável à implantação de sistemas de telecomunicações que utilizariam radiofrequências, os ISPs passaram a RENUNCIAR aos lotes sobre os quais se sagraram vencedores.

De plano, lembra-se que para tudo há um remédio e, no caso, orientamos aos nossos clientes que a Renúncia é um direito admitido em tal processo, independentemente de justificativa formal. A RENÚNCIA, então, se mostrou como meio perfeitamente cabível, inclusive previsto no Edital e na Lei Geral de Telecomunicações (Art. 142).

O que levantou a discussão que ora se expõe: mesmo com o protocolo das renúncias, a ANATEL manteve a pendência do preço ajustado pelos lotes devolvidos, isso com base em previsão do Edital que, mesmo com a extinção da outorga, permaneceria a dívida.

Ocorre que, quando protocolamos as renúncias aos lotes obtidos por nossos clientes (muitos já tendo pagado entrada de 10% do preço), já estava em vigor – desde 16/05/2019 – a Resolução nº 695, de 20 de julho de 2018, que aprovou o Regulamento de Cobrança de Preço Público pelo Direito de Uso de Radiofrequências, e que traz a seguinte previsão:

Art. 15. A extinção ou renúncia ao Direito de Uso de Radiofrequências não desobriga a autorizada do adimplemento das parcelas vencidas até a data da publicação do Ato de extinção ou da protocolização do pedido de renúncia na ANATEL e, em qualquer hipótese, não gera direito à devolução dos valores quitados.

Parágrafo único. Não são devidos os valores das parcelas cujo vencimento ocorrer após a data da publicação do Ato de extinção ou da protocolização do pedido de renúncia na ANATEL, respeitado o disposto no caput deste artigo. (grifou-se)

Apesar da busca administrativa para cancelamento das cobranças, a ANATEL ignorou o fato de que ao lançar o Edital, sem o pleno conhecimento das possibilidades dos Fabricantes, e, até de discutir com eles as possíveis soluções, estava criando uma situação crítica para as Empresas vencedoras do Certame.

E, ao não acatar as ponderações destas Empresas, colocou-as na irremediável situação de terem de recorrer ao Poder Judiciário, sobre algo que poderia ser resolvido no Plano Administrativo.

Mandados de Segurança para emissão de CND e Ações Anulatórias foram ajuizadas. O que se tem hoje são sentenças favoráveis aos provedores que, mesmo lançadas à segunda análise pelo TRF4 (nas searas de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul), têm sido mantidas, por unanimidade, no sentido de declarar indevida a cobrança do preço público após as renúncias.

O entendimento tem se firmado no sentido da expressa previsão da norma reguladora – resolução 695/2018, como no caso a seguir: “Desse modo, deve prevalecer o estabelecido no Regulamento de Cobrança de Preço Público pelo Uso de Radiofrequências (Resolução n. 695/2018) quanto à inexigibilidade das parcelas vencidas após a protocolização do pedido de renúncia, por ser a disposição legal aplicável à matéria e também levando-se em consideração que a partir da renúncia não mais há o direito de uso da radiofrequência, razão de ser do pagamento do preço público cobrado pela Agência Reguladora.” (º 5033443-73.2022.4.04.7100/RS) (grifou-se)

Por assim ser, a Resolução n° 695/2018, tornou-se o diploma legal a balizar os contratos firmados com administrados, e, fazer diferenciação em sua aplicação no tempo, traz séria insegurança e preocupação às Prestadoras destinatárias desta regulamentação.

De qualquer forma, é fato que não faz sentido exigir das Prestadoras, já encobertas pelo manto do novo Regulamento, que paguem a integralidade do preço público vinculado a uma Autorização que deixou de existir.

Não é razoável que nesse momento, em que já se reviu a conceituação e a forma de pagamento do preço público, a ANATEL venha impor tal condição ou cobrar pelo pela Autorização já extinta.

Inclusive porque, toda a problemática, que foi submetida à consulta pública antes da alteração, tinha por principal vetor a discrepância de condições de quem fizesse uso do DIREITO de renúncias às frequências recebidas.

Nesse sentido, diante da extinção da Autorização que continha a obrigação, não há que se falar em pagamento do preço.

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