Ruy Pinto,SES: Brasil não precisa de “salvador” para conectar a Amazônia

O CTO da SES, Ruy Pinto, assinala que as tecnologias por satélite, como as de sua empresa, atuam há décadas na região Amazônica para conectar empresas e comunidades e a vinda da Starlink, de Elon Musk, é só mais uma opção.
Ruy Pinto, CTO da SES - divulgação
Ruy Pinto, CTO da SES – divulgação

Numa época em que se fala muito na entrada – ou não – da Starlink, de Elon Musk, no Brasil, a SES, empresa de satélites que já atua na Amazônia há muitos anos, prepara o lançamento, ainda neste ano, de sua nova frota O3b mPOWER, uma constelação inicial de 11 satélites em órbita média (MEO) de alto rendimento e baixa latência.

Para falar sobre tudo isso, o Tele.Síntese conversou com Ruy Pinto, CTO da SES. Ele comenta a visita de Musk ao Brasil, conta sobre o projeto dos 11 novos satélites da empresa e ainda fala sobre o mercado de conectividade aqui e no mundo, os panoramas para o futuro e os desafios para a conectividade por satélite.

Imagino como a SES, que atua na Amazônia há tempos, se sentiu quando surgiu a história da Starlink chegar no Brasil e “solucionar” a inclusão digital na região. Se há um trabalho experiente já existente, por que a espera por um “salvador da Pátria”?

Ruy Pinto, CTO da SES – Como bem pontuou, operadoras de satélites como a SES trabalham há décadas para conectar todas as regiões do mundo que ainda não conseguem ter acesso de qualidade à internet. Com a constelação de órbita média terrestre (MEO) – O3b -, conseguimos fornecer conectividade a partes da região amazônica e não poderíamos estar mais felizes por poder desempenhar um papel na conexão desta parte do mundo.

A visita de Elon Musk ao Brasil e a novidade da chegada de Starlink ao país gera, naturalmente, muito interesse público, mas é igualmente importante diferenciar o desempenho e as aplicações esperadas dos satélites em diferentes sistemas de órbita. Houve um enorme salto na tecnologia de satélites nos últimos anos e os satélites em todas as órbitas foram beneficiados com isso.

Dizer que o Brasil está esperando por um “salvador” não dá crédito suficiente às operadoras brasileiras de satélite e rede. Por anos, parceiros locais experientes têm feito um trabalho extraordinário para conectar empresas e comunidades mesmo nas partes mais remotas do país utilizando a tecnologia de satélite disponível.

A Starlink é um sistema de satélite de baixa órbita terrestre (LEO) e, como tal, está localizado mais próximo da Terra. Um sistema como esse requer centenas a milhares de satélites e uma infraestrutura terrestre complexa. Ele é direcionado principalmente para a banda larga do consumidor, uma vez que possui um pequeno terminal e há limitações em sua velocidade de download/upload.

Por outro lado, os satélites MEO podem permitir a entrega de banda larga de baixa latência, com níveis comparáveis ao desempenho da transmissão de fibra, e as constelações de satélites MEO podem cobrir a maior parte da Terra com cerca de oito satélites.

Como mencionado anteriormente, operamos hoje o sistema O3b, mas também vamos lançar nosso sistema de segunda geração, o O3b mPOWER, que oferece maior capacidade de transmissão e é muito mais flexível. Ele se destina, por exemplo, a empresas de telecomunicações que desejam implantar serviços 4G, 5G em áreas não conectadas a milhões de usuários, e para outros serviços e aplicações de rede com largura de banda intensiva.

A SES tem uma frota de satélites geoestacionários também, não é?

Os satélites GEO são os mais antigos e fornecem uma cobertura abrangente a partir de 36 mil km de distância da Terra. Contudo, as tecnologias avançadas de hoje já permitem que esse tipo de satélite tenha capacidade para atender às mudanças voláteis da demanda atual. Por exemplo, o SES-17, nosso mais recente satélite sobre o Brasil, tem centenas de feixes pontuais, e pode trazer conectividade confiável para aplicações de dados menos intensivas e em locais menores para ativar serviços de mobilidade, telecomunicações, governamentais e outras demandas empresariais.

Quais são os desafios da inclusão digital na região, e até mesmo em outras regiões do país.

Ruy Pinto – De maneira geral, o gap digital aumentou visivelmente na América Latina e o Caribe (ALC), duas das regiões mais afetadas pela pandemia em termos de taxa de infecção e impacto econômico. De acordo com o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), em toda a região ALC cerca de 244 milhões de pessoas ainda não têm acesso à internet e apenas quatro em cada dez domicílios têm uma conexão fixa de banda larga. Muitos não puderam continuar trabalhando ou estudando remotamente desde que fomos atingidos pela pandemia.

Hoje, as iniciativas de inclusão digital estão impulsionando um forte aumento na capacidade de consumo de banda larga, e o backhaul móvel constitui uma importante oportunidade no Brasil. Partes dos Estados da Bahia, Amazonas, Pará, Mato Grosso e Piauí permanecem em grande parte fora do alcance das fibras, e apresentam uma oportunidade para o backhaul celular via satélite.

De acordo com a Euroconsult, mais de um terço da população total não conectada na região ALC pode ser conectada por serviços via satélite direta ou indiretamente, por meio de serviços como backhaul 3G/4G/5G, IP trunk e hotspots de WiFi.

Qual é o foco? 

Ruy Pinto – Na SES, temos fornecido serviços de conectividade via satélite na região amazônica em países como Colômbia, Peru e Brasil.

Na Colômbia, trabalhamos com a SkyNet, um provedor de serviços local, para possibilitar cinco hotspots de WiFi gratuitos na Amazônia colombiana. Eles são destinados a conectar os residentes e prover um serviço de banda larga dedicado de alta velocidade para as equipes médicas e administrativas do hospital local, permitindo a realização de sessões de telemedicina e outras atividades de eHealth para apoiar os esforços de mitigação da Covid-19.

No Peru, estamos trabalhando com a Andesat como parte de seu projeto “Te Conectamos Perú” para impulsionar o acesso à voz e à conectividade de banda larga em 280 locais remotos em lugares de difícil acesso, incluindo a floresta amazônica, até o final de 2022.

No Brasil, temos trabalhado com operadoras de redes móveis locais e provedores de serviços para fornecer conectividade equivalente à fibra e habilitar serviços de backhaul de 3G e 4G/LTE. Além disso, também temos trabalhado com nossos parceiros para levar conectividade a comunidades da região sudeste do Brasil, onde conseguimos fornecer internet a 110 escolas não atendidas em tempo recorde durante a pandemia global.

O que há de certo e o que há de errado, e também, se preferir, o que há de verdadeiro e o que há de mentiroso na política do governo de, na implementação do 5G, privilegiar escolas?

Ruy Pinto –  Na SES, apoiamos que a banda larga seja universal, e usá-la conectando escolas em todo o Brasil é uma das muitas abordagens que o governo pode adotar para torná-la mais acessível. Nesse sentido, abordagens que incluem tecnologia de satélite podem ajudar a tornar a banda larga disponível para todas as comunidades, pois esses sistemas conseguem alcançar  áreas geográficas diversas no país.

Consideramos importante que o governo adote uma estratégia que inclua tecnologia para expandir a disponibilidade da banda larga, e não se concentre excessivamente em um conjunto específico de inovações, excluindo outras opções viáveis e econômicas.

Como a SES encara a proposta da Oi de venda da unidade de DTH, já que o satélite é da SES?

Ruy Pinto – Temos uma relação de longo prazo com a Oi, na SES,  e continuaremos a apoiar seus serviços por muito tempo, com um backlog que se prolonga até a segunda metade desta década. Qualquer mudança na estratégia da Oi requer um longo processo com aprovações regulatórias, além de um período de transição.

Vocês operam no mundo todo. Quais os desafios regulatórios no Brasil para o setor? 

Ruy Pinto – No Brasil, a Anatel é uma entidade reguladora experiente e sofisticada, que garante que exista uma concorrência justa e que o interesse público brasileiro seja bem servido.

O Ministério e a Anatel tomaram recentemente uma série de medidas que criam um mercado de satélites cada vez mais aberto, transparente e competitivo no Brasil para os satélites GEO, MEO e LEO. Também incentivamos a Anatel a continuar seu diálogo com empresas do setor privado para fomentar e facilitar os investimentos no Brasil, simplificar as aprovações governamentais e proporcionar um ambiente fiscal favorável aos negócios.

A SES vai lançar a nova frota O3b mPOWER neste ano. São 11 satélites em órbita média -MEO- de alto rendimento e baixa latência. Quando será lançada a frota, exatamente? Já há uma previsão?

Ruy Pinto – Aumentamos a cadência de lançamentos prevista para o segundo semestre deste ano, e teremos três lançamentos, em vez de dois, para os seis primeiros satélites – todos programados para acontecer durante o terceiro trimestre.

Com esses três lançamentos, otimizamos nosso tempo de órbita e conseguimos fazer uma entrega ligeiramente superior dos satélites. É importante ressaltar que ainda esperamos trazer esta capacidade altamente diferenciada para o mercado a partir do início de 2023.

Qual foi o investimento?

Ruy Pinto – Nosso investimento no sistema O3b mPOWER é superior a 2 bilhões de dólares.

Já existe uma estimativa de negócios com essa frota?

Ruy Pinto – O saldo combinado para nossos mais novos ativos, SES-17 e O3b mPOWER, está crescendo ano após ano. O último número apresentado durante os resultados do primeiro trimestre de 2022 foi de US$ 910 milhões. Além disso, alguns de nossos clientes do O3b mPOWER são Princess Cruises, Orange, Microsoft, Virgen Voyages, ISAT Africa, Marlink e IMS (na Colômbia).

Quais são os desafios para a conectividade por satélite?

Ruy Pinto – O satélite tem e continuará tendo um papel importante no apoio aos requisitos de acesso universal à banda larga, conectividade móvel (comercial e governamental) e necessidades de inteligência, Reconhecimento e Vigilância (ISR). À medida que o mundo avança em direção à computação em nuvem devido aos múltiplos benefícios comerciais que ela traz – maior produtividade e eficiência e novas oportunidades de negócios, por exemplo -, será cada vez mais importante que todas as tecnologias se mantenham atualizadas.

Os governos de todo o mundo têm sido cada vez mais ativos na parceria com empresas privadas e no investimento conjunto em novas tecnologias e capacidades espaciais.

A Associação Brasileira de Empresas de Software (Brasscom) estima que até 2022, impulsionado pela chegada do 5G, o mercado de cloud computing movimentará US$ 2,7 bilhões no país, que já ocupa a 9ª posição como o maior mercado de TI do mundo.

Ainda assim, de acordo com um relatório divulgado pela Business Software Alliance, o Brasil tem uma pontuação muito inferior aos líderes tecnológicos mundiais em termos de cloud computing, – o que significa que há espaço para investimento nesta tecnologia e em outras soluções de conectividade no país.

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José Norberto Flesch

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