Reforma tributária: na Câmara, setor de TIC reivindica tratamento diferenciado

Audiência reuniu representantes da Conexis, do Mercado Livre e da Fenainfo, além de especialistas para destacar desafios na carga de tributos da economia digital.
Reforma tributária: na Câmara, setor de TIC reivindica tratamento diferenciado
Marcos Ferrari, presidente da Conexis, apresentou a deputados a perspectiva da reforma tributária para o setor de telecom| Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

O Grupo de Trabalho da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública nesta quarta-feira, 26, para discutir as mudanças prioritárias na perspectiva da economia digital. No debate, entidades setoriais manifestaram as particularidades do setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). 

O mercado de telecom foi representado pela Conexis, com a participação do presidente, Marcos Ferrari. Ele reforçou apoio às ideias centrais das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) em discussão (PEC 45 e 110) – que consiste na substituição do IPI, PIS, Cofins, o ICMS estadual e o ISS municipal por uma alíquota única ou dual –  IBS (Imposto Sobre Bens e Serviços) ou IVA (Imposto sobre Valor Agregado).

“Telecom é um serviço essencial. Isso não sou eu quem está dizendo, está na lei. Então, merece um tratamento diferenciado. A alíquota IVA ou IBS é uma maneira da nossa carga tributária ser revista”, afirmou Ferrari.

Para o presidente da Conexis, a reforma tributária deve observar a necessidade de “racionalizar” o tributo do setor de telecom como forma de promover inclusão digital. “Nós aqui temos um serviço no qual a população de baixa renda paga o mesmo tributo. Então ela é regressiva e acaba dificultando o acesso da população mais pobre do país. Racionalizar isso na reforma tributária é super importante”, disse.

Ferrari apresentou dados que mostram o Brasil com a maior carga tributária entre os 15 países que mais usam a rede móvel e ressaltou que, além deste custo, há os investimentos e as contribuições aos fundos setoriais, que têm sido usados para superávit primário. 

“A reforma tributária pode ser a maior política de inclusão digital e de desenvolvimento digital do país, desde que a gente consiga colocar a carga de comunicação equiparada aos outros países. Nós temos uma carga de 44% e a média dos outros países é 11,9%. Se pelo menos a gente tiver alguma coisa parecida, isso permitirá que a gente consiga de fato atingir níveis mais elevados de desenvolvimento econômico social e humano”, afirmou o presidente da Conexis.

Por fim, Ferrari destacou que as operadoras  têm preocupação com o regime de transição. “Caso seja feita de maneira faseada, primeiro PIS/Cofins e depois ICMS, nós temos a preocupação de que nesse período de faseamento, nesse regime transição, haja um aumento de carga tributária”, disse.

Edgar Serrano, presidente da Federação Nacional das Empresas de Informática (Fenainfo), também fez ressalvas. Ele observou que é importante simplificar o tributo, mas criticou a possibilidade do país adotar uma alíquota de IVA no valor de 25% para todos os produtos e serviços – como já mencionado pelo secretário extraordinário do Ministério da Fazenda para a reforma tributária, Bernard Appy. “Na Flórida [por exemplo] a alíquota é 6,5% para produtor e 0% para serviços”, compara. 

Limitações 

Serrano também manifestou receio com a transparência das mudanças práticas da reforma tributária. “A gente tem hoje a possibilidade de aprovar um texto constitucional, porém sem conhecer a lei complementar, as alíquotas, porque isso vai ser feito depois. Isso nos preocupa”, disse o representante do setor de TI.

Silvana Ricardo, diretora tributária do Mercado Livre, foi no mesmo sentido. “Nós somos a favor da reforma por concordarmos com seus pilares, especialmente pela unificação em um único tributo com a não cumulatividade plena por meio de um crédito amplo. Nós esperamos que o texto aprovado traga os contornos claros para que essas regulamentações seguintes também sejam claras, sem margens a muitas interpretações, que nos tragam de volta a esse sistema super complexo que nós temos hoje”, afirmou.

A diretora jurídica se opõem à possibilidade de “centralização” da arrecadação nos marketplaces. “Dada a característica desse mercado, a centralização do pagamento talvez não atinja a arrecadação que se espera”, argumentou.

“Somente 14% do varejo passa pelas plataformas digitais, ou seja, 86% do varejo é feito por meio físico. E nesses 14%, uma grande parte é de pequenas e médias empresas. No caso do Mercado Livre, que concentra o maior número de vendedores esse percentual, mais de 90% de empresas são optantes pelo Simples, ou seja, vão estar fora do IBS”, explicou Silvana. 

Nuvem

A questão sobre se a arrecadação do imposto deve ser no destino ou origem de uma compra online gerou divergências. Para João Hamilton Rech, auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e membro do Grupo de Trabalho que estuda IVA na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), deve ser no destino. Neste caso, ele apresentou o exemplo de um cliente brasileiro que baixe software de outro país. 

“[Bastaria] duas informações não contraditórias: cartão do Brasil e endereço no Brasil.  Pronto. Então, essa empresa que está vendendo o software vai ver qual é a alíquota do Brasil, do IVA, e vai tributar adequadamente e o valor será remetido para o Brasil”, explicou Rech.

Já Eufrásio Alves Cambui Júnior, auditor Fiscal da Receita Estadual de Minas Gerais, especialista em Ciência de Dados pela Johns Hopkins University, defendeu o contrário. Para ele, a complexidade da territorialidade na internet deve ser levada em conta. Ele deu como exemplo o serviço de nuvem, que pode envolver servidores em diferentes países.

“Eu não consigo estabelecer o local da prestação do serviço. Se eu passar a exigir que as empresas registrem que naquele momento aquela transação comercial foi resolvida por servidores de 15 países diferentes, teria que fazer isso para todos acessos dos usuários, comprando ou não, apenas a localização. Eu inviabilizaria essa tecnologia”, afirmou.

O relator do GT, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), afirmou que vai levar em conta as diferentes visões do debate. “Eu não tenho dúvida nenhuma de que nós precisamos ter inteligência para fazer uma tributação cada vez mais eficiente do ponto de vista da utilização das tecnologias. Foi um debate muito importante nessa contribuição que esse grupo de trabalho tem perseguido”, concluiu.

O relatório a ser apresentado pelo GT não é o relatório final da reforma tributária. Trata-se de uma análise prévia para construir o consenso antes do parecer final sobre o tema, que pode ser analisado em Plenário. O parecer está previsto para as últimas semanas de maio.

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Carolina Cruz

Repórter com trajetória em redações da Rede Globo e Grupo Cofina. Atualmente na cobertura dos Três Poderes, em Brasília, e da inovação, onde ela estiver.

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