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Regulação

Permanência da ANPD na Presidência deverá ser questionada no Congresso

Advogados preveem que texto da MP 869/2018 sofrerá emendas e que ainda é possível levar a ANPD para a administração indireta, embora a falta de orçamento seja um empecilho.
Congresso Nacional é iluminado em apoio à campanha de conscientização no trânsito conhecida como Maio Amarelo.

Advogados especializados na área do Direito e Tecnologia ficaram, ao mesmo tempo, satisfeitos e desconfiados com a publicação da medida provisória 869/18 no final de dezembro por Michel Temer, e reiterada pela MP 870 emitida dia 1 pelo presidente Jair Bolsonaro. O texto criou a Agência Nacional de Proteção de Dados Pessoais, o que gerou alívio. Mas há preocupação quanto ao seu funcionamento, uma vez que a agência foi colocada dentro da Presidência da República e sem orçamento.

A criação sob o guarda-chuva presidencial deverá ser alvo de intenso debate no Congresso até março, quando a MP, caso não seja votada até lá, passa a obstruir a pauta. “Talvez seja o primeiro teste de articulação política do novo governo”, avalia Caio César Carvalho Lima, do escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados. Para ele, é certo que os parlamentares vão propor emendas quanto ao funcionamento e autonomia da agência, e que o governo precisará ceder em algo.

O temor é que, como está, a redação da MP coloque a perder um dos objetivos da Lei de Proteção de Dados Pessoais, que era fazer do Brasil um porto seguro para a troca de dados com os países da União Europeia. “A GDPR [legislação europeia] autoriza a troca de dados pessoais apenas entre empresas em países com legislação semelhantes, com uma agência de proteção de dados autônoma”, lembra o advogado.

Caso os europeus entendam que a ANPD não tem autonomia por estar submetida à Presidência, podem barrar o fluxo de dados pessoais com o Brasil. “Para eles não seria um problema, uma vez que na região Argentina e Uruguai têm legislação condizente. Mas para o Brasil a perda de negócios seria importante. Também é importante lembrar que um dos objetivos da LGPD era permitir ao país entrar na OCDE, o que poderá ocorrer em breve”, acrescenta.

Prazos

A movimentação para modificar a MP já começou nos bastidores de Brasília. Entidades setoriais já avaliam a MP e quais emendas propor. A partir da publicação da MP, passou a correr o prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60, para que o Congresso a transforme em lei. As emendas poderão ser protocoladas na Câmara entre 4 e 11 de fevereiro. E 4 de abril é a data limite para que a MP seja votada.

Ana Carolina Cesar, sócia da área de Tecnologia da Daniel Advogados, também espera mudanças na tramitação. Para ela, ao subscrever a ANPD à Presidência, Temer colocou em dúvida a autonomia da agência. “Por mais que esteja escrito na MP que haverá autonomia técnica, o necessário é a autonomia total, com dotação orçamentária própria. E o texto fala em não haver gastos por parte da agência. Até que ponto essa estrutura, sem orçamento, consegue se manter?”, pergunta.

A seu ver, a Presidência poderia exercer uma influência na ANPD que iria além da indicação do conselho diretor, que deverá ter cinco integrantes. “Faltaria o exercício de compliance na relação entre agência e Presidência. As decisões da ANPD poderiam passar por análise e crivo do presidente”, avalia.

A advogada vê ainda risco de esvaziamento da autoridade da agência devido ao artigo 55-J. Ali, destaca-se que a ANPD deverá articular-se com outros órgãos com competências específicas. “É o caso do Bacen, que tem tomado ares de supervisor do uso de dados pessoais bancários e financeiros desde a publicação da resolução 4658/18. Na prática, haverá disputa sobre quem terá autoridade”, avalia a advogada. Ela prevê, ainda, proposta de emenda prevendo quarentena para integrantes dos conselhos da agência, o que não existe no texto atual.

Mudança improvável

Já Natalia Langenegger, advogada associada do escritório Pereira Neto Macedo, duvida que o Congresso consiga retirar a ANPD da Presidência e dar-lhe a autonomia que era imaginada durante a tramitação da LGDP. “As mudanças de estrutura do Executivo pelo Legislativo são limitadas pelo teto de gastos previsto na MP. Como o texto diz que a agência seria criada sem aumento de gastos, acabou dificultando achar uma forma de dar autonomia à ANPD. O ideal seria colocá-la na administração indireta, como entidade autárquica e com verba própria. Mas acho bem difícil mudar isso”, vaticina.

O problema prático é que, sem orçamento, a agência não terá como investigar denúncias. “A autoridade tem essa prerrogativa investigativa, mas sem verba, a capacidade acaba restringida”, diz. Ela ressalta que a MP 869, editada por Temer, e reiterada pela MP 870, de Bolsonaro, traz outros pontos que modificaram a LGPD e poderão ser alvo de emenda no Congresso. “A MP acabou deixando o tratamento e compartilhamento pelo poder público muito abrangentes. Qualquer ato de compartilhamento com entes privados passou a ser possível. E derrubou-se a exigência de transparência, de o governo avisar o dono do dado em seu site o que está fazendo com aquele dado e à ANPD “, observa.

A advogada vê como positiva a criação da autoridade e acredita que há interesse em colocá-la em funcionamento o quanto antes. “Mesmo com o vacatio legis aumentado para 24 meses, o tempo é curto, especialmente para as empresas se adequarem. Mas existe uma vontade política em de fato instituir a autoridade”, lembra. A vontade vem justamente de a MP prever de onde viriam as pessoas que formariam o conselho diretor. Seriam ocupantes de cargos comissionados DAS-5, já previstos no orçamento. Todos indicados por Bolsonaro.

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