Para entidades, novo texto do PL das Fake News traz novos pontos preocupantes

Citação a autoridade administrativa para aplicação de sanções, até então inexistente no trâmite do PL, traz insegurança jurídica. E criação de código de conduta elaborado pelo Congresso abre janela para ingerência política sobre redes sociais e apps, diz Coalizão Direitos na Rede.

Em nota divulgada nesta terça-feira, 30, a Coalizão Direitos na Rede considera que o novo relatório da PL das Fake News, do senador Angelo Coronel (PSD/BA), aumenta a exclusão digital ao exigir o CPF, por ser uma documentação que muitos brasileiros não possuem.  Aponta que é “uma medida desnecessária, excessiva e onerosa, impactando diretamente no direito à comunicação destes cidadãos”.

O movimento, formado por 39 entidades de pesquisa acadêmica, defesa do consumidor e de direitos humanos, com foco na internet, criticou também o artigo 12° que trata sobre a liberdade de expressão. Apesar de ter incorporado pontos importantes como mecanismos de notificação e direito de defesa dos usuários, a coalizão diz que o item traz “regramentos para a indisponibilização de conteúdos com base em termos extremamente vagos”, que dão às plataformas um poder excessivo em processos de moderação de conteúdo.

A rastreabilidade em massa também foi criticada pelas entidades. O artigo obriga o armazenamento dos dados de todas as pessoas que participem de cadeias de compartilhamento, mesmo que esteja repassando uma postagem a fim de denunciá-la. Além de abrir brechas para o mau uso dos dados e o vazamento pelas empresas, caso haja um processo judicial envolvendo o conteúdo os envolvidos deverão provar a não relação com as indústrias de disseminação de desinformação. “Trata-se de grave violação ao princípio da presunção de inocência”, defende o documento.

Segue a nota:

Análise da Coalizão Direitos na Rede sobre problemas que seguem no relatório do PL 2630/20 divulgado em 29 de junho

* Manutenção do conceito de conta identificada – art. 5º, inciso I: Mantém a definição como “a conta cujo titular tenha sido plenamente identificado pelo provedor de aplicação, mediante confirmação dos dados por ele informados previamente”. Essa definição vincula as obrigações de identificação presentes nos artigos 7º e 8º, objeto de pedidos de supressão pela Coalizão Direitos na Rede.

* Identificação em massa – Artigo 7º: Permanece a possibilidade de identificação em massa de usuários de redes sociais e mensageria privada a partir de conceitos genéricos, como “denúncias por desrespeito a essa Lei” e “indícios de contas inautênticas”. Como nas versões anteriores, foi mantido o “poder de polícia” às plataformas, obrigando-as a desenvolver medidas para “detectar fraude no cadastro e o uso de contas”. Como já alertamos, esse dispositivo vai contra preceitos constitucionais e a Lei Geral de Proteção de Dados, que estabelece o princípio da coleta mínima dos dados necessários para uma finalidade. Artigo deve ser suprimido.

* Conceitos vagos para suspensão de contas – Artigo 8º: Embora tenha sido reformulado e incorporado melhorias, o artigo ainda determina a suspensão de contas a partir de um conceito não claro de “números desabilitados”. É preciso deixar claro aqui que se trata da rescisão do contrato e cancelamento do número, e não da suspensão temporária do número que possa vir a ocorrer temporariamente por inadimplência. Redação deve ser alterada ou, então, o Artigo deve ser suprimido.

* Rastreabilidade em massa – Artigo 10º: A versão ainda prevê retenção em massa de registros de envios de mensagens em aplicativos de mensageria privada. Essa previsão sujeita o conjunto da população a alto risco diante de possíveis requerimentos abusivos de informações pessoais, medidas de mau uso de seus dados pelas empresas e vazamentos. Terão seus dados guardados obrigatoriamente pelos aplicativos todas as pessoas que, por razões legítimas ou involuntárias, participem das cadeias de compartilhamento: jornalistas, pesquisadores, parlamentares e quaisquer cidadãos que, eventualmente, repassem uma postagem a fim de denunciá-la. Caso haja um processo judicial envolvendo esses conteúdos, caberá às pessoas envolvidas o dever de provar, a posteriori, sua não relação com as indústrias de disseminação de desinformação que o PL pretende atingir. Trata-se de grave violação ao princípio da presunção de inocência. Artigo deve ser suprimido.

* Riscos à liberdade de expressão – Artigo 12º: A redação protocolada incorporou pontos sobre devido processo, como mecanismos de notificação e direito de defesa dos usuários, que são importantes. Mas traz regramentos para a indisponibilização de conteúdos com base em termos extremamente vagos, como “indução a erro, engano ou confusão com a realidade” e determina a análise e concessão de direito de resposta pelas plataformas com base em “ofensa à honra, à reputação, ao conceito, ao nome, à marca ou à imagem de pessoa física ou jurídica”. A redação do conjunto do artigo, bastante confusa, carece, assim, de sistematicidade e dá excessivo poder às plataformas em processos de moderação de conteúdo. Neste sentido, a Coalizão Direitos na Rede oferece redação alternativa, visando responder de forma adequada à necessidade de medidas de devido processo (ver ao final).

* Aprovação do código de conduta para redes sociais e serviços de mensageria pelo Congresso Nacional – Artigo 26, §1º, II: a redação atribui ao Congresso Nacional a prerrogativa de aprovar um código de conduta para redes sociais e serviços de mensageria, conferindo status de norma infralegal a documento a ser adotado e aprovado pelo Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet e possibilitando uma eventual revisão das decisões do conselho. Dispositivo deve ser suprimido.

* Nomeação dos representantes do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet – Artigo 27, §4º e §5º: O parágrafo 4o viola a Constituição, que garante liberdade de associação para fins lícitos. Tal redação inviabilizaria a nomeação, por exemplo, dos representantes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal ao Conselho. O parâmetro adotado para vedar a nomeação é bastante restrito e é divergente, inclusive, com aqueles adotados para a nomeação em cargos públicos. Já o parágrafo 5º deixa sob responsabilidade somente da Presidência do Congresso a definição da forma de indicação dos conselheiros, algo que pode resultar em ingerência política e ferir a autonomia necessária para que os diferentes setores integrantes no Conselho possam indicar seus representantes. Dispositivos devem ser suprimidos.

* Autoridade responsável pela aplicação das sanções – Artigo 32, caput e §1º: É problemática a inclusão de “autoridade administrativa” no texto, gerando insegurança jurídica na medida em que o texto do PL não dispõe explicitamente qual seria a autoridade específica responsável por aplicar as sanções. Seria necessário retomar o texto anterior, com a previsão de sanções sanções civis e criminais, bem como a aplicação das mesmas pela autoridade judicial (§1º).

* Aumento da exclusão digital no cadastramento de usuários de telefones pré-pagos – Art. 35: A nova redação altera a previsão atual, substituindo a possibilidade alternativa pela obrigação de apresentação conjunta dos documentos de Identidade e do número de registro no Cadastro de Pessoa Física. Adicionalmente, determina nova regulamentação sobre o cadastramento de usuários de telefones pré-pagos. Exigir a apresentação dos dois documentos para a obtenção de um número pré-pago é uma medida desnecessária, excessiva e onerosa a brasileiros que não possuem documentação, impactando diretamente no direito à comunicação destes cidadãos. Redação deve ser alterada para permitir um documento ou outro.

REDAÇÃO ALTERNATIVA PARA O ARTIGO 12
Art. 12. Os provedores de aplicação de internet submetidos a esta Lei devem garantir o direito de acesso à informação e à liberdade de expressão de seus usuários nos processos de elaboração e aplicação de seus termos de uso, disponibilizando mecanismos de apelação.
§1º Em caso de denúncia ou de medida aplicada em função dos termos de uso das aplicações ou da presente lei que recaia sobre conteúdos e contas em operação, o usuário deve ser notificado sobre a fundamentação, o processo de análise e a aplicação da medida, assim como sobre os prazos e procedimentos para apelação.
§2º Os provedores dispensarão a notificação aos usuários se verificarem risco de:
I – dano imediato de difícil reparação;
II – segurança da informação ou do usuário;
III – violação a direitos de crianças e adolescentes;
IV – crimes tipificados na Lei 7716/89;
V – grave comprometimento da usabilidade, integridade ou estabilidade da aplicação.
§3º Deve ser garantido pelo provedor o direito de o usuário apelar da indisponibilização de conteúdo e contas, conforme o caso.
§4º Havendo dano decorrente da caracterização equivocada de conteúdos como violadores dos termos de uso de aplicações ou do disposto na presente lei, caberá ao provedor de redes sociais repará-lo, no âmbito e nos limites técnicos do serviço.

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Abnor Gondim

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