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Coscione e Matsumoto: Os efeitos regulatórios da incorporação de operadora de serviços de telecom

Milene Louise Renée Coscione, sócia e coordenadora da área de telecomunicações e tecnologia; e Bruno Hideo Matsumoto, advogado especializado em telecomunicações e tecnologia do Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, questionam sanções de multa e caducidade aplicadas à incorporada

Uma incorporação societária é algo frequente no setor de telecom. Esse tipo de operação, no entanto, é permeada por uma questão relevante: as sanções de multa e caducidade aplicadas à incorporada comunicam-se à incorporadora?

Trata-se de temática complexa, que conta com a existência de entendimentos divergentes no âmbito da própria Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Caducidade e multa

A Lei Geral de Telecomunicações (LGT) atribuiu à Anatel as competências de aplicar sanções referentes ao direito de uso de radiofrequências e de órbita, e à prestação de serviços de telecom nos regimes público e privado (art. 19 da LGT).

No exercício de seu poder sancionador, a Agência poderá sujeitar aqueles que infringirem disposições legais, regulamentares ou contratuais ao rol de sanções previsto no art. 173 da LGT: advertência, suspensão temporária, declaração de inidoneidade, caducidade e multa. As duas últimas são de especial interesse.

A sanção de caducidade culmina na extinção da concessão, permissão ou autorização de serviço ou de uso de radiofrequência e impede que empresa punida nos dois anos anteriores participe de licitação ou receba outorga de concessão, tratando-se de sanção de grande severidade.

A caducidade é aplicada a autorizadas de serviços de telecom ou de uso de radiofrequências em caso de prática de infrações graves, de transferência irregular da autorização ou de descumprimento reiterado de compromissos assumidos.

Distintamente, a caducidade de concessões é decretada quando da dissolução ou falência da prestadora; do não cumprimento do compromisso de transferência do serviço anteriormente explorado a outrem caso a concessionária já prestasse a mesma modalidade de serviço na mesma região, localidade ou área; da realização de operação societária sem anuência prévia da Agência; da transferência irregular do contrato; ou quando cabível intervenção, porém sua decretação seria inconveniente, inócua, injustamente benéfica ao concessionário ou desnecessária.

Por sua vez, as multas possuem caráter pecuniário e podem ser impostas isolada ou conjuntamente com outras sanções, devendo ser consideradas a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade.

Casos

Incorporação é a operação societária na qual uma sociedade absorve uma ou várias outras sociedades, que deixam de existir.

O Código Civil prevê que a sociedade incorporadora sucede as incorporadas em “todos os direitos e obrigações”.

O posicionamento do Conselho Diretor da Anatel acerca dos efeitos das sanções de multa aplicadas a empresa incorporada é pacífico: independentemente do momento da infração e da sanção, as multas se comunicam à incorporadora.

A maior parte das decisões cita a Súmula 554 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que dispõe sobre a temática: “Na hipótese de sucessão empresarial, a responsabilidade da sucessora abrange não apenas os tributos devidos pela sucedida, mas também as multas moratórias ou punitivas referentes a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão”.

Não há, contudo, entendimento pacificado da Anatel acerca dos efeitos da sanção de caducidade aplicada a empresa incorporada sobre a incorporadora.

As divergências no âmbito da Agência são baseadas em aspectos temporais, pautando-se no momento do cometimento da infração e no momento da aplicação da sanção, conforme gráfico a seguir:

O primeiro posicionamento, registrado nas Análises nº 47/2021/VA e 56/2021/CB, desconsidera o aspecto temporal na sucessão da sanção de caducidade.

Em ambos os casos, o Conselho Diretor entendeu que a sanção de caducidade sempre irá atingir o novo incorporador, independentemente do momento em que a infração fora cometida. Trata-se de posicionamento amparado no fato de que a incorporadora sucede a incorporada em todos os seus direitos e obrigações. Logo, eventuais sancionamentos por infrações cometidas pela incorporada devem ser suportados pela incorporadora.

Já no Parecer n. 00636/2021/PFE-ANATEL/PGF/AGU, da Procuradoria Federal Especializada junto à Anatel (PFE-Anatel), foi adotada posição distinta, considerando os momentos do cometimento da infração e da aplicação da sanção.

No caso concreto, verificou-se que a operadora havia cometido infração e sido sancionada pelo Conselho Diretor antes da transferência de seu controle societário.

Instada a se manifestar em sede de pedido de revisão, a PFE-Anatel exarou o entendimento de que os efeitos da aplicação da sanção de caducidade seriam intransmissíveis ao novo controlador da operadora infratora, nos casos em que a transferência de controle tenha ocorrido posteriormente ao cometimento da infração e à aplicação da sanção.

Assim, o impedimento de participar de licitações por dois anos atingiria apenas a empresa infratora e suas controladoras à época da prática da infração, sem atingir a esfera da nova controladora, que não possuía relação com a futura incorporada quando da transgressão.

No âmbito do mesmo processo, no entanto, o Conselho Diretor exarou terceiro posicionamento sobre a temática, distinto, por meio da Análise 145/2021/EC, com base no Parecer 752/2008/PFS/PGF/PFE-ANATEL.

Pautando-se no momento em que a infração foi cometida, chegou-se à conclusão de que os efeitos da sanção de caducidade não alcançam a nova controladora da empresa infratora, desde que a transferência de controle tenha efetivamente ocorrido após a prática da infração apurada.

O fundamento para tal entendimento parte da caracterização dos efeitos da sanção de caducidade como de natureza pessoal que, diferentemente dos efeitos de natureza pecuniária, são intransmissíveis. A nova controladora, não tendo qualquer relação com a empresa infratora à época da transgressão, não poderá ser penalizada.

Renúncia sobre outorga

Por fim, deve-se tratar da possibilidade de renúncia sobre outorga que poderá ser posteriormente extinta por caducidade.

Apesar de a renúncia ser caracterizada como “ato unilateral, irrevogável e irretratável, que opera seus efeitos a partir do momento de seu protocolo” junto à Anatel, o Conselho Diretor possui o entendimento de que a extinção da outorga por renúncia não desonera a autorizada do cumprimento de suas obrigações perante a Anatel nem terceiros (Análise 213/2020/EC e Análise 53/2022/VA)

Nesse sentido, ainda que se tenha reconhecido a renúncia por parte da operadora, não pode ser afastada a materialidade da infração ou seu respectivo sancionamento, subsistindo os efeitos da caducidade.

Como se vê, o tema é de grande complexidade e os efeitos das sanções de caducidade sobre empresas incorporadoras merecem especial atenção das incorporadoras para que essas não estejam adquirindo outorgas que serão objeto de sanção de caducidade e, por conseguinte, contaminarão sua própria atuação no setor de telecom (notadamente, a impossibilidade de uma telecom participar de processos licitatórios da Anatel por dois anos).

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