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OpenRAN só amadurece em três anos, diz Scheffer, da Ericsson

Marcos Scheffer, vice presidente de redes da Ericsson para o Cone Sul da América Latina, não acredita numa disseminação do OpenRAN a curto prazo. Para ele, as especificações e a própria arquitetura proposta para o modelo de interfaces abertas ainda precisam amadurecer, o que deve ocorrer num período de três a quatro anos

Marcos Scheffer, vice presidente de redes da Ericsson para o Cone Sul da América Latina, não acredita numa disseminação do OpenRAN a curto prazo. Para ele, as especificações e a própria arquitetura proposta para o modelo de interfaces abertas ainda precisam amadurecer, o que deve ocorrer num período de até quatro anos. A Ericsson não terá portanto solução OpenRAN a curto prazo. Ele revela que a empresa, assim como outros grandes fornecedores, não participa da RFP global da Telefónica, que estaria prospectando apenas fornecedores com maior foco em OpenRAN, porque “não têm outro tipo de solução”.

Com receitas de US$ 6,59 bilhões num terceiro trimestre forte que registrou lucro de a US$ 640 milhões, ante o prejuízo registrado um ano antes, a Ericsson cresceu no período devido à expansão de 50% na China. Mas recuou 1% na América Latina devido aos efeitos da pandemia e ao câmbio, sobretudo no Brasil com a desvalorização do real. A Ericsson não trabalha com um dólar médio ou congelado no Brasil, porque “mesmo com a fabricação local os componentes são importados”, justificou Scheffer.

Até o momento, no mundo, a fabricante fechou 112 contratos de fornecimento em redes de quinta geração. Desse total, 65 redes já foram lançadas comercialmente e estão em operação. A modelagem do leilão com cinco blocos de 80 MHz, agradou o executivo que espera, porém, uma divisão do quinto bloco entre as três operadoras após a consolidação com a compra da Oi.

Para Scheffer, o Brasil deveria se espelhar nos modelos do Chile e da Áustria. No Chile, o modelo é baseado no conceito de “beauty contest” (concurso de beleza) em que vence a operadora que apresentar o maior compromisso de cobertura e o menor prazo, sem ter de dispender recursos com pagamento da frequência. Na Áustria, as empresas tiveram que arcar com custos pela frequências mas, encerrado o leilão, puderam trocar parte do valor a ser pago por compromissos adicionais de cobertura. “Vale a pena trocar recursos que seriam arrecadados no leilão por impostos que serão recorrentes ao longo dos anos”, aconselha Scheffer.

A empresa também é contra que a Anatel destine todo o espectro de 1,2GHz da faixa de 6GHz para uso não licenciado, especialmente para o Wi-Fi6e. Para ele, metade da faixa deve ser reservada para o uso licenciado das operadoras, caso contrário poderá faltar espectro. “Acreditamos que o 6GHz será a próxima faixa que vai ajudar as operadoras a desafogarem as redes daqui a quatro, cinco anos”, defende Scheffer.

Telesíntese: A Ericsson reportou um bom desempenho no terceiro trimestre, mas houve queda de 1% na América Latina. O que afetou os resultados da região?

Marcos Scheffer: Ao momento que passamos com a pandemia do Covid-19, não só no Brasil mas no restante da América Latina. Houve muita incerteza nas operadoras e dificuldades para continuar implementando sistemas. O problema também foi a taxa de câmbio com a desvalorização do real que gerou uma incerteza adicional nas operadoras. O investimento que elas fazem são lastreados em dólar, mesmo a gente tendo fábrica no Brasil, e a receita continua sendo em reais. Com a forte desvalorização do câmbio, houve uma segurada na força dos investimentos.

Telesíntese: O Brasil puxou a queda na região?

Scheffer: Não, foi toda a região. Vimos a mesma coisa acontecendo em outros mercados, como no México.

Telesíntese: A Ericsson não trabalha com um “dólar padrão” fixo para o mercado brasileiro para evitar a variação cambial como alguns outros fornecedores? Ou tem de ser o dólar cheio mesmo e não tem conversa?

Scheffer: Não tem como. Mesmo a Ericsson produzindo no Brasil, os componentes são todos importados. Então, os produtos são lastreados em dólar. Poucos fornecedores  globais produzem chipsets e não há como fugir do dólar.

Telesíntese: A empresa encolheu na América Latina, mas teve o desempenho turbinado pelos negócios na China. Como foi o desempenho na casa do inimigo?

Scheffer: A China está bastante adiantada na implantação do 5G. Houve muitos sites instalados pelas três maiores operadoras, que até junho implementaram 400 mil novos sites em duas frequências, 3,5 GHz e 2,6GH. Isso representa 50% da população do país. A previsão é a China chegar, até o final do ano, com 660 mil novos sites 5G. A Ericsson participou desse roll out com a China Telecom, China Unicom e China Mobile, com um market share de 10% a 12%

Telesíntese: Aproveitando que estamos falando de China, impor restrições a um fornecedor representa uma oportunidade ou uma ameaça?

Scheffer: Não entramos muito nesse mérito. Esta é uma questão geopolítica, quem decide isso são os governos de cada um dos países.

Telesintese: Excluindo-se um dos três players do mercado, a Ericsson teria condições de assumir uma parcela maior do mercado?

Scheffer: A Ericsson está no Brasil há 95 anos e nossa fábrica de São José dos Campos produz há 65 anos. Temos sim capacidade de assumir e, se tivermos de aumentar a produção, aumentaremos sem nenhum problema.

Telesíntese: Hoje as operadoras estão limitadas a três fornecedores e o OpenRAN acena com a oportunidade de diversificação de fornecedores. Como a Ericsson vê o movimento de OpenRAN?

Scheffer: A Ericsson é uma das principais fornecedoras dos standards do 3GPP. Somos uma das empresas que mais contribuem para as interfaces abertas, inclusive entramos para OpenRAN Aliance e temos várias frentes de trabalho. A Ericsson acredita nas interfaces abertas e que o OpenRAN vai se tornar realidade mais para frente. A gente enxerga que daqui a três ou quatro anos, algumas propostas de OpenRAN vão maturar. Até lá estamos trabalhando para ter soluções de OpenRAN assim que a tecnologia e a arquitetura propostas pelo OpenRAN estiverem maduras.

Telesíntese: Hoje a Ericsson ainda não tem uma solução de OpenRAN em vias de ser lançada? Só estará pronta daqui a três anos?

Scheffer:  Não sabemos ao certo quando teremos porque a tecnologia não está madura, muitas partes das especificações e da arquitetura mesmo proposta pelo OpenRAN não estão maduras. Enquanto não estiver madura, não há como termos uma solução.

Telesíntese: Mas as operadoras já estão comprando. Há uma RFP grande da Telefônica no mercado.

Scheffer: A gente sabe que tem empresa trabalhando com mais afinco no OpenRAN porque ela não há outras soluções e têm de apostar tudo no OpenRAN. A gente sabe que há uma série de trials ao redor do mundo, mas eles acontecem em áreas bem remotas e rurais, que não precisam de performance alta, de qualidade e alto desempenho. Escutamos das operadoras a respeito dos trials de que o resultado está muito atrás em termos de performance. Não se consegue colocar hoje uma solução dessas que está caminhando para o OpenRAN numa cidade grande como São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília porque não atende aos requisitos  que as operadoras precisam.

Telesíntese: Vocês não vão participar da RFP da Telefónica?

Scheffer: Nós não fomos convidados, acho que a Telefonica está tentando ver o que tem no mercado. Não só a Ericsson, nenhum dos grandes fornecedores foram convidados.

Telesíntese: O que você achou da configuração do leilão de 5G com cinco blocos de 80 MHz?

Scheffer: Achei bom, 80 MHz é bastante espectro para as operadoras. Mas com cinco blocos de 80 MHz, acaba ficando com um dos blocos meio sem utilização. A gente espera que um dos blocos possa ser quebrado em blocos menores, caso não haja nenhum interessado, de forma que as operadoras possam comprar mais 20 MHz para completar os 100 MHz por operadora que é o tamanho máximo e por meio do qual se consegue extrair o maior potencial do 5G e prestar um melhor serviço.

Telesíntese: Qual o melhor modelo para a licitação e o que você considera um leilão não arrecadatório?

Scheffer: Há vários modelos no mundo. O bolso das operadoras é um só. Se gastar muito com frequência não vai ter investimento para lançar a rede. Um modelo interessante é o do Chile, que por tradição usa o modelo “beauty contest”, concurso de beleza, em que as operadoras têm de se comprometer com cobertura e qualidade e isso conta ponto. A que se comprometer com o maior compromisso no menor tempo de implementação ganha o leilão e não paga nada pela frequência. Os lances financeiros só são dados se houver empate, caso mais de uma operadora atinja a mesma pontuação. O leilão foi postergado em um mês e deve ocorrer em novembro com as frequências de 3,5GHz, 26 GHz e algumas sobras de espectro como 700 MHz, 900 MHz.

Outro modelo interessante recente é o da Áustria, em que as operadoras tiveram de dar lance, mas, ao final, as vencedoras puderam trocar o valor a pagar pela frequência, por compromissos adicionais de cobertura. Com isso elas conseguiram baixar em US$ 500 milhões o que teriam de pagar de frequência em troca de cobrir 1,7 mil localidades adicionais com 5G. Com isso acaba  gerando mais investimentos, serviços, empregos e impostos. Vale a pena trocar recursos que seriam arrecadados no leilão por impostos que serão recorrentes ao logo dos anos.

Telesíntese: Quais os modelos que o Brasil deve evitar, Itália, Alemanha e Coreia?

Scheffer: O da Itália, sem dúvida, o pior modelo pois foi criada uma escassez artificial de espectro. Eles colocaram 200 MHz sendo dois blocos de 80 MHz e dois de 20 MHz. O preço foi exorbitante, US$ 0,42 o MHz por habitante, ante a média global de US$ 0,11.

Telesíntese: Qual o desfecho você prevê para o leilão brasileiro, acredita que a Oi vai participar?

Scheffer: É difícil prever o comportamento da Oi, ainda em recuperação judicial e prestes a leiloar alguns ativos.

Telesíntese: Os fornecedores consolidaram-se nas duas últimas décadas. Agora as operadoras também começam o movimento de consolidação. Ter menos operadoras é ruim para a Ericsson?

Scheffer: A gente acredita que é preciso ter operadoras saudáveis, independentemente se são duas, três ou quatro que consigam investir e trazer qualidade nos serviços que prestam. Tem país que tem três operadoras, outros, como o Chile, têm quatro grandes e algumas menores. O número depende muito do mercado, da renda média das pessoas. Mas tem de ser operadoras saudáveis que possam investir.

Telesíntese: Qual a base instalada de equipamentos já 5G ready e como vão os projetos DSS?

Scheffer: Nos últimos anos, já vínhamos entregando equipamentos preparados para o 5G. Temos 240 mil rádios já preparados para o upgrade. A Claro lançou o 5G graças à tecnologia DSS, sem afetar o tráfego do 4G. Caso se reservasse espectro específico para o 5G, faltaria espectro para o 4G. Com a funcionalidade Ericsson Espectro Share, é possível fazer a alocação dinâmica instantânea com chaveamento a cada 1 milissegundo. Também temos discutido o mesmo projeto com a Vivo e a TIM.

Telesíntese: Como será a produção para o 5G? Qual o timing ideal?

Scheffer: Sempre produzimos os equipamentos no Brasil e com o 5G não será diferente. Já entregamos os equipamentos de 4G prontos para o 5G. Para os rádios para 3,5GHz Massive Mimo com antena integrada, também vamos produzir no Brasil. No ano passado investimos R$ 1 bilhão.

Telesíntese: As operadoras foram desafiadas durante a pandemia com um crescimento de 30% no tráfego e 40% no número de reclamações nos serviços de banda larga. Qual a sua avaliação do desempenho do setor? Houve muitos pedidos de reforço de rede?

Scheffer: O maior aumento de tráfego foi na banda larga fixa, um mercado em que não participamos. Na rede móvel houve uma migração do tráfego das áreas centrais onde estão os escritórios para as residências. Trabalhamos em conjunto com as operadoras para reforçar a capacidade das redes nas zonas residenciais.

Telesíntese: Qual a posição de vocês ao fato de a Anatel ter destinado todo o espectro de 1,2GHz da faixa de 6GHz para uso não licenciado?

Scheffer: Essa é uma discussão global e defendemos que metade da faixa vá para o Wi-Fi 6 e metade para o uso licenciado das operadoras, senão vai faltar espectro. Há bandas baixas, médias e altas. Para se prover a capacidade são necessárias bandas médias como o 6GHz, que acreditamos ser a próxima faixa que vai ajudar as operadoras a desafogarem as redes daqui a quatro, cinco anos.

O tema já está na agenda da Conferência Mundial de Radiocomunicação em 2023 e defendemos que parte do espectro seja reservado para 5G. Se a Anatel quer liberar já alguma coisa para o Wi-Fi6, que se reserve a parte mais alta para o 5G, que é o que está em discussão no fórum global. Caso seja destinado todo o espectro de 1,2 GHz para não licenciado, no futuro será mais difícil de retomar.

Telesíntese: O 6G já está no radar da Ericsson?

Scheffer: Quanto trabalhamos com uma tecnologia que já está comercial  fazemos pesquisa para a próxima geração. Cada geração dura cerca de dez anos, e já estamos trabalhando nas especificações do 6G. Há inclusive profissionais brasileiros do time de pesquisa e desenvolvimento em Indaiatuba participando das discussões. A inovação é muito importante. O Brasil está em 63º lugar no ranking global de inovação, atrás de países como Bulgária, Turquia. E quando se olha nos países no topo do ranking, EUA, Coreia do Sul, Dinamarca, Suécia, Holanda, são os países onde já há 5G.

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