Omissão de órgãos causa insegurança jurídica na gestão de redes, dizem especialistas

Falta diálogo e com isso, regras claras de como interpretar a neutralidade de rede, diz representante do CPQD

neutralidade de rede

O decreto 8.771/2016, que trata das hipóteses admitidas de discriminação de pacotes de dados na internet, atribuiu ao CGI.br o estabelecimento de diretrizes para a neutralidade de rede e à Anatel, a atribuição de fiscalização. Mas fazer uma aferição da questão técnica de como está se dando esta neutralidade de rede é ainda muito incipiente, no entendimento do engenheiro do CPGD, Gustavo Correia e Lima, que participou, nesta segunda-feira, 30 de live do Tele.Síntese. Para ele, faltam ferramentas para aferir alterações no tráfego. 

Por essa razão, afirma que esse trabalho tem se dado em um ambiente de confiança com as operadoras, buscando sempre colocar um limite, mas a partir da verificação de irregularidades e não de uma negociação constante, impondo o custo para as operadoras. “Se você cria uma infraestrutura pesada de constante monitoramento constante, acaba onerando o serviço de telecomunicações de uma forma que não seria necessária dentro de um ambiente onde todos, tomando como premissa, estão trabalhando dentro do limite da regulamentação”, disse Lima. 

A representante da Intervozes, Flávia Lefèvre, disse que falta integração dos órgãos responsáveis por garantir a neutralidade da rede para o acompanhamento dessas tecnologias que estão vindo com força.  “Essa omissão gera incerteza, que muitas vezes vão parar no judiciário, onde um juiz que não entende do assunto vai decidir”, disse. Para ela, essa desarticulação entre os organismos que poderiam estar construindo uma base regulatória mais sólida e mais segura, ela, ao contrário, está se ampliando. 

E cita o caso do Plano Nacional de Internet das Coisas, que não prevê a participação do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) nessa Câmara. E do sistema de documento digital, que também não cita o CGI. “Se a gente lê o papel do CGI no Marco Civil da Internet, que é de definir diretrizes estratégicas para o uso e o desenvolvimento da internet no Brasil, me parece fundamental que o órgão já estivesse envolvido de uma forma bastante mais intensa, até porque seu braço executivo, o NIC.br, tem uma excelência nesses assuntos há muito tempo”, observou. 

Segundo a advogada, o CGI já elaborou um documento definindo diretrizes técnicas para a fiscalização da neutralidade, apontando quando se está discriminando de uma forma ilegal ou não. “É um documento que poucas pessoas conhecem e deveria ter gerado um debate entre os órgãos envolvidos e ter gerado uma base regulatória mais robusta, que conferisse segurança a todos os envolvidos”, disse. 

Flávia ressalta que o decreto estabelece que as empresas devem informar, inclusive a seus clientes, que práticas de gerenciamento adotadas, até para serem avaliadas pelo CGI. “Isso seria importante que acontecesse antes de uma fiscalização”, defendeu. Ela disse que desconhece a existência de um regulamento específico na Anatel para a fiscalização da gestão de rede e disse que é importante que exista. 

“É muito importante que se preserve a neutralidade da rede como está e se façam ajustes, se forem necessários – e eu acho que não serão mesmo com a massificação da IoT e a chagada do 5G, que sé será massificada em 2029 – sejam feitas no decreto”, disse. Ela lembra que sem o Marco Civil, a internet no Brasil poderia se transformar numa espécie de TV a cabo. Ela defende que se invista em infraestrutura e o país tem “grana” para fazer isso, citando o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e a lei de migração das concessões. “Para ter tráfego é preciso ter rede”, disse. 

O presidente do Fórum Brasileiro de IoT, Gabriel Marão, reconhece que o Nic.br é um organismo de excelência e é o mais preparado para ajudar a resolver problemas de neutralidade da rede que venha a ocorrer. “Não resta nenhuma dúvida de que o que IoT vai estar acontecendo no Brasil, e que o país será líder no agronegócio e nem vai depender tanto do 5G”, disse. 

Fatiamento 

Para Gustavo Lima, o fatiamento de rede, que é uma infraestrutura física instalada e que pode ser particionada em recursos lógicos para atender de forma diferenciada a cada forma de uso. “Vamos dizer que tivesse um slice dedicado para atender a banda larga residencial e outro slice dedicado a monitorar milhões de dispositivos IoT de iluminação pública e ao mesmo tempo, um slice que está monitorando robô de uma cirurgia remota. É evidente que vai ter uma separação da qualidade do serviço que é entregue e não acredito que alguém vai descartar a prioridade da telemedicina em relação a quem está assistindo uma Netflix”, disse. 

Lima disse que é desse entendimento de que, de alguma forma, de que haja uma incompatibilidade do 5G com a neutralidade de rede. “Falta diálogo e com isso, regras claras de como interpretar isso [a neutralidade da rede]. Afinal, a quem cabe decidir o que é uma aplicação que tem requisitos técnicos que são em prol do cidadão, da sociedade”, disse. Para o engenheiro, se não houver um diálogo entre os atores para estabelecer bases sólidas e jurídicas, os dois lados estão certos, mas deixar essa insegurança chegar a tribunais é muito arriscado. 

No caso de ataques de DDos, Lima disse que com o gerenciamento de rede seria muita mais fácil evitar, mas essa prática abriria espaço para outros tipos de discriminações, como políticas e outras. “É preciso pesar o que é mais importante para a sociedade”, disse. 

Avatar photo

Lúcia Berbert

Lúcia Berbert, com mais de 30 anos de experiência no jornalismo, é repórter do TeleSíntese. Ama cachorros.

Artigos: 1588