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Melchior e Moura: A saga jurídica para investimentos em telecomunicações

Por Silvia R. Barbuy Melchior e João Moura, presidente executivo da TelComp*

A saga jurídica para investimentos em telecomunicações é uma interminável história de percalços e barreiras de naturezas diversas, que remonta ao início o processo de desestatização no final da década de 90. A insegurança jurídica para investimentos é grave, impõe altíssimos custos setoriais e, paradoxalmente, é patrocinada por entes públicos que deveriam estar do lado exatamente oposto, isto é, criando condições para estimular investimentos essenciais para a sociedade.

No início da década de 90, o principal problema residia na ausência de normas e regras específicas deixando novas redes, estações rádio base e novos equipamentos, sem as devidas licenças para instalação, à mercê dos humores de diferentes agentes públicos.

As legislações que se seguiram foram sempre no sentido de impor restrições descabidas e requisitos impossíveis de serem cumpridos, tais como exigências de recuos absurdos, como a Lei Estadual de São Paulo de 2001, que na prática demandavam um terreno do tamanho de um campo de futebol para colocar uma única torre de celular e que só 20 anos foi julgada inconstitucional. Era só o começo: proibição de cabeamento e estações rádio base em muitas áreas, ausência de prazos para decisão sobre processos de licenciamento, que chegavam a demorar 5, 10 ou mais anos, cobranças e mais cobranças sem qualquer lógica razoável. As legislações em vários níveis invariavelmente que resultavam em práticas arbitrárias e abusivas por agentes públicos, com exigência descabidas, regras burocráticas e turbilhões de novas condições a cada instante. Uma verdadeira saga.

Mas a regulação intra e inter-setorial também tardou e falhou. As regras de compartilhamento para uso de postes, rodovias e precificação levaram ao Judiciário uma enxurrada de ações. As normas frágeis ou incompletas, produzidas em ritmo acelerado, só alimentam o caos. Em poucos anos as ações inundaram, e ainda inundam, o Judiciário, lento, quase sempre sem efetividade, mas invariavelmente caro e oneroso para a sociedade.

A implantação da infraestrutura mergulhou num emaranhado burocrático de questionamentos administrativos, como impugnações de multas e recursos contra o indeferimento arbitrário de licenças, cobranças desarrazoadas e muitos projetos só se sustentaram e ainda se sustentam, precariamente, em liminares, licenças provisórias ou induzem implantações à revelia, com risco incalculável.

E não paramos por aí, a saga, prossegue com cobranças por direito de passagem, TPU, taxas estratosféricas para licenciamento de redes, exigência de doação de dutos para prefeituras, entre outras situações bizarras e à revelia da Lei, compondo um quadro trágico e extremamente custoso para sociedade que almeja ter serviço de telecomunicações de qualidade e com preços aceitáveis pela população.

As poucas normas que foram editadas para combater esse cenário drástico demoraram e ainda assim não encontram paz no âmbito dos próprios governos, caindo na vala do Judiciário. Nessa situação é que se encontra a Lei Federal 13.116/2015 (que estabelece normas gerais para implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações), que, após cinco anos de vigência, passou a ser questionada pela Procuradoria Geral da República por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade que atende a interesses inexplicáveis. Uma lei que foi discutida no Congresso e com os agentes interessados por mais de 3 anos (Projeto de Lei nº 293, de 2012 e nº 5.013/13 na Câmara dos Deputados) e que depois de 5 anos vigentes e que balizou bilhões em investimentos privados passa a ser questionada pela própria PGR.

Por outro lado, os tributos foram, sem demora, estabelecidos rapidamente por leis igualmente mal concebidas, motivadas exclusivamente pela sanha de arrecadação imediatista e que colocaram o país no triste ranking dos que mais oneram as telecomunicações no mundo.

Muitas leis e regras tributárias são mal formuladas, muitas inconstitucionais e que ignoram a evolução do setor e geram discussões sem fim no Judiciário, tais como as CIDES, que são em verdade impostos (o que é inconstitucional), tributação em cadeia sem possibilidade de compensação em etapas anteriores e dupla tributação (ora sobre os serviços que não são telecomunicações, mas podem complementá-lo, como os de valor adicionado, ora porque tanto Município como Estado querem tributar o mesmo fato gerador). Esse cenário impõe custos excessivos, compromete a massificação dos serviços, estreita as margens das operadoras, cria imensa insegurança jurídica para as empresas e afasta investimentos.

Ao longo dos seus vinte anos de existência a TelComp patrocinou dezenas de ações judiciais bem-sucedidas, em todas as instâncias do judiciário, sendo várias no Supremo Tribunal Federal, o que deixa claro que os questionamentos de suas associadas sempre estiveram ao lado do bom direito.

A pergunta que fica é: que segurança jurídica se espera para os investimentos em telecomunicações, reconhecida como serviço essencial só em 2020? Os investidores sabem a resposta: por hora nenhuma.

É urgente o encaminhamento de soluções sérias, ágeis, bem estruturadas e pacificadoras, para que se tenha uma transformação real e efetiva e que induza a expansão dos investimentos para viabilizar a introdução das novas tecnologias essenciais para o progresso do Brasil. E certamente isso passa pela percepção de que não há comunicação sem infraestrutura e não há mais sociedade sem comunicação, cada vez mais essencial na vida dos cidadãos, algo aparentemente simples, mas que tem se revelado uma saga.

*Silvia R. Barbuy Melchior, sócia do escritório Melchior, Micheletti e Amendoeira Advogados e advogada da TelComp desde a sua fundação

*João Moura, presidente executivo da TelComp

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