Loures: “política para semicondutores não se resume a incentivo fiscal”

Diretor de políticas públicas da Intel Brasil diz que problema está longe de ser apenas de incentivos fiscais e que é importante ter o desenho de uma estratégia com prioridades e foco
Emilio Loures, diretor de políticas públicas da Intel Brasil - Foto: Divulgação
Emilio Loures, diretor de políticas públicas da Intel Brasil – Foto: Divulgação

Executivo da Intel há quase 20 anos, o diretor de políticas públicas da empresa fala nessa entrevista ao Tele.Síntese o que é necessário para se tentar resolver o problema da escassez de semicondutores.

Ele também conta o que espera dos candidatos, na eleição que está chegando. Pontua a importância da transformação digital, nesse cenário, e diz que recomendações importantes, já feitas, deveriam ser seguidas à risca.

Ainda comenta e detalha os investimentos da Intel no setor e a amplitude das operações da empresa.

A escassez de semicondutores é mundial. Nos Estados Unidos, há um grande volume de investimentos neste segmento.  Até que  ponto isso vale a pena?

Emilio Loures, diretor de políticas públicas da Intel Brasil –  A Intel anunciou investimentos significativos em vários países, tanto em locais onde já temos operações – incluindo 20 bilhões de dólares para construir duas novas fábricas no Arizona, 600 milhões de dólares em três anos na Costa Rica, e uma nova área em Ohio -, mas também em diversos países da Europa. Estão inclusos nessa
estratégia Alemanha, França, Irlanda, Itália, Polônia e Espanha. Nosso foco está em sustentar a demanda tecnológica atual e futura, bem como diversificar a cadeia de suprimentos, que atualmente é concentrada em 80% na Ásia.

Achamos importante equilibrar essa cadeia de fornecimento. Temos como objetivo um equilíbrio de 50% da oferta nas Américas e na Europa, e os outros 50% na Ásia, até 2030 .

Esses investimentos fazem parte da estratégia IDM 2.0 (Integrated Device Manufacturer, sigla em inglês) da Intel e vão atender também as necessidades dos clientes de fabricação, além de impulsionar a produção voltada à crescente demanda por
semicondutores avançados.

Há uma política pública possível no Brasil para essa escassez ser amenizada?

Loures – No Brasil temos um amplo leque de incentivos voltados ao desenvolvimento tecnológico e inovação. Especificamente para semicondutores há o Padis (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores), criado em 2007, que é um conjunto de incentivos fiscais federais com o objetivo de contribuir para a atração e a ampliação de investimentos nas áreas de semicondutores. O programa proporciona às empresas interessadas a desoneração de determinados impostos e contribuições federais incidentes que vão do desenho e concepção à manufatura de semicondutores.

A Intel ouviu do governo a intenção de anunciar um Plano Nacional de Desenvolvimento de Semicondutores em breve, e aguardamos os detalhes para entender como ele irá interagir com os demais mecanismos de estímulo existentes.

De qualquer maneira, é fundamental olhar a questão de forma ampla, pois pesam também elementos como disponibilidade de mão de obra qualificada, capacidade do país em atrair talentos de fora e reter os locais; apoio ao investimento direto, pois são projetos que vão de centenas de milhares de dólares a alguns bilhões; facilidade para entrada de insumos no país e exportação de semicondutores, para ficar nos mais críticos. Definitivamente não é uma questão apenas de incentivos fiscais.

Igualmente importante é o desenho de uma estratégia com prioridades e foco. A cadeia dos semicondutores é longa e tem particularidades. Muita energia tem sido colocada no estabelecimento de uma foundry no país, ou o processo de fabricação propriamente dito. Talvez seja necessário o desenho de uma estratégia em fases até termos condições adequadas de estabelecer uma fábrica. Eu olho particularmente para o talento criado com design houses e acho que podemos ter resultados muito
bons investindo de forma pesada na capacidade de projetar.

Temos eleições chegando. O que desejam para o setor de atuação nos planos de governo dos candidatos?

Loures – Para além da questão específica dos semicondutores, que entendo seja algo que entrou como prioridade estratégica em vários países em definitivo, creio que a própria transformação digital em si precisa ser abraçada como questão chave por todos os candidatos que se apresentarem.

A digitalização não é uma escolha ou opção, ela está se impondo a todos os setores da economia. Se o país não estiver devidamente preparado para ela, ficaremos estagnados na nossa própria capacidade de crescimento.

Crescer o PIB é hoje nosso maior desafio. Com ele virão emprego e renda. Esse crescimento é dependente de ganharmos produtividade no que fazemos. Precisamos alavancar nossa capacidade de produção e as ferramentas digitais são hoje o vetor mais poderoso nesse sentido, impactando todos os setores.

Os candidatos têm na transformação digital do país um aliado poderoso para destravar o crescimento. O melhor é que o diagnóstico está feito e boas recomendações estão na mesa, não é preciso se reinventar a roda. Desde o Plano Nacional de IoT,
passando pela Estratégia Brasileira de Transformação Digital e pela Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial, muitas horas de reflexão e diálogo foram compiladas, resultando em recomendações importantes que deveriam ser seguidas à risca. Com a devida prioridade e coordenação, puxada pelo próprio presidente, dará certo.

O ministro Fábio Faria falou sobre incentivar a indústria de semicondutores há alguns dias. Acha que há mesmo essa intenção?

Loures – Ao que parece, pelas mensagens dadas pelo governo, há sim essa intenção, mas é importante definir em que elos da indústria temos as condições ideais para atrair investimentos  e quais os caminhos que teremos que percorrer para adensarmos
essa cadeia a longo prazo.

Pelo lado da Intel, neste momento, as atividades da Intel  Foundry  Services estarão concentradas nas fábricas em ampliação e nas que serão construídas nos EUA e na Europa.  Por ora, os investimentos em manufatura serão nestes países. No entanto, esperamos impactos positivos para os negócios e operações da Intel no Brasil, que é um dos principais mercados da empresa no mundo. Seguiremos com a nossa estratégia para atender o mercado global, olhando para novas oportunidades de investimentos, principalmente em outros elos dessa longa cadeia.

Estamos na era do 5G. Vocês já estão pensando no 6G? O Wifi 6 vai ter seu lugar já nos notebooks?

Loures – O WiFi 6 já faz parte da realidade de alguns notebooks através da plataforma Intel Evo, que oferece notebook com conectividade Thunderbolt 4 e WiFi 6, e  processadores Intel Core de 12ª de geração. Agora que temos autorizado o uso do 6 GHz também para o WiFi.

Com a resolução da Anatel, no ano passado, ampliando o uso pela radiação restrita da faixa, creio que teremos ainda um novo impulso na qualidade dos serviços e mesmo em novas formas de uso da tecnologia. Novos horizontes se abrem para a realidade aumentada e a realidade virtual, por exemplo.

Entendemos que o WiFi 6 é uma tecnologia que vai complementar o 5G, ainda em implementação no Brasil. Mas é fato que a inovação não pode parar e já há um intenso debate sobre os parâmetros a serem definidos para o 6G, e estamos diretamente envolvidos nessas
discussões, assim como também nas futuras versões do WiFi, como o WiFi 7.

Soluções licenciadas e não licenciadas são complementares e é fundamental que estejam em uma cadência de evolução próxima.
Mas é preciso entender que a Intel já não está apenas dentro dos computadores, estamos presentes nas redes 5G com nossas tecnologias, fomentando aplicações nas redes de telecomunicações, estimulando a nuvem e a computação nas bordas.

De acordo com o Gartner, 75% dos dados corporativos serão gerados e processados fora da nuvem até 2025, quando as redes 5G estarão maturando.

Vocês patrocinaram um estudo recente, do Ponemon, que mostra que as organizações estão procurando fornecedores e soluções que priorizem inovações em segurança, nesse cenário atual de rápida evolução de ameaças. A previsão é de um gasto de US$ 172 bilhões, segundo esse estudo . Mas cerca de metade dos entrevistados disseram que colocaram a segurança como grande preocupação durante a pandemia. Acredita que, com a volta ao “normal”, tal preocupação não seja tão forte? 

Loures – O bem mais valioso que uma empresa possui são os seus dados, e protegê-los vem se tornando uma tarefa cada vez mais difícil à medida que os ataques estão mudando constantemente, se tornando cada vez mais complexos.

Antes mesmo da pandemia, em 2017, o Brasil era o sétimo país que mais sofria ataques cibernéticos e, em 2019, ficou atrás apenas da China e dos Estados Unidos, de acordo com um relatório global divulgado pela Symantec. O relatório feito pelo Ponemon nos diz que as equipes de segurança gastam quase metade da semana (17 horas/semana) mapeando vulnerabilidades conhecidas em dispositivos IoT.

Faz sentido que quase 70% acredite que as soluções de segurança de hardware ou firmware tornam o gerenciamento de vulnerabilidades mais eficaz. Com o crescimento de uma força de trabalho descentralizada e do número de dispositivos na borda, a segurança está se tornando uma prioridade. É essencial que as empresas possuam uma base confiável para seus dispositivos e uma estratégia de segurança em diversas camadas.

A Intel investe em quatro pilares que acreditamos fundamentais na segurança para a IoT: integridade da plataforma; proteção aprimorada para dados, chaves e ID; aceleração criptográfica e execução confiável. Esses recursos de segurança são oferecidos em todos os produtos IoT da empresa.

Quais são as principais tendências do setor que virão com o 5G?

Loures – A Intel atua para impulsionar todo o ecossistema de tecnologia 5G – das redes à nuvem – para dar vazão à avalanche de novos dados gerada por bilhões de novos dispositivos conectados.

Acreditamos em 4 tendências principais de inflexão que já estão  impactando a forma como vivemos, trabalhamos e interagimos acelerando a transformação digital em praticamente todos os aspectos das nossa vidas. Sua adoção  no Brasil  irá se tornar
cada vez mais  massiva nos próximos anos e,  praticamente,  todos os segmentos serão impactados por elas:

a) Infraestrutura Cloud-to-Edge: A facilidade crescente com que os dados podem fluir e ser processados onde quer que faça mais sentido: na ponta, onde está o cliente final; ou na nuvem, onde data centers e computadores de alto desempenho processam
informações.

b) Conectividade universal: A tendência em desenvolvimento em que todas as coisas e pessoas estão conectadas e atendidas por novos produtos, serviços e modelos de negócio cada vez mais inovadores. Estamos vivendo em um mundo onde todos estamos conectados e tudo com o que a gente interage também vai estar conectado (carros, indústrias, lojas, hospitais…), e essa conectividade universal vai permitir que cada vez mais a gente consiga coletar, armazenar e processar quantidades de informações cada vez maiores e cada vez mais rapidamente para implementar novos modelos de negócios, produtos e serviços. E a adoção de 5G é obviamente uma das tecnologias que vai nos ajudar com tudo isso.

c) Inteligência artificial: O conceito de inteligência em todo lugar; que usa dados a fim de oferecer novos insights, impulsionar a criatividade, automatizar processos e aprender com a experiência. A quantidade de informação, de dados que a gente tem gerado continua a crescer rapidamente, mas como apenas uma porcentagem irrisória desses dados é realmente analisada e convertida em recomendações para tomada de decisões mais rápidas e eficientes, existe uma oportunidade gigantesca na nossa frente.

d) Computação onipresente: A tendência global – que vem acelerando rapidamente – de que tudo com que interagimos envolve tecnologia de computação.

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José Norberto Flesch

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