Inovação para atender todas as demandas

Aumenta a cobertura e o mercado promete novidades na evolução dos atuais satélites. E ainda há os nanosatélites que estão a caminho

Por Wanise Ferreira

[O Tele.Síntese vai publicar ao longo das próximas semanas as reportagens publicadas no Anuário Tele.Síntese de Inovação 2020, editado no final do ano passado e que pode ser baixado na íntegra e gratuitamente aqui]

O mercado de satélites vem passando por uma revolução tecnológica que não acontecia há pelo menos 20 anos e os motivos, na análise dos executivos do setor, são distintos, combinando desde a evolução de capacidade e velocidade dos satélites tradicionais, como aconteceu com a banda KA, até novas estruturas que rompem com o atual sistema para formarem constelações satelitais que orbitam de forma sincronizada e são orquestradas por operações terrestres. Entre um caminho e outro o tempo pode ser curto, mas haverá espaço, ou céu, para todos os tipos. Pelo menos é o que se espera quando se pesam vantagens e desvantagens de cada formato.

A banda KA, por si só, já trouxe muito ânimo para o mercado. “Essa banda pode utilizar até 80 feixes direcionais, o que quer dizer que aumenta sua capacidade também 80 vezes, comparada aos outros que não conseguem isso. Já tivemos satélite com um feixe só”, comenta Luiz Francisco Perrone, ex-conselheiro da Anatel e especialista nesse mercado.

Para o executivo, satélites com banda KA trouxeram mais capacidade e mais cobertura para o mercado. Ele considera que não se trata, porém, de soluções para serviços que exigem altíssima confiabilidade, mas podem oferecer, com vantagem, serviços de banda larga para residências e empresas que não vão precisar de uma garantia de 99,9% de disponibilidade.

Outra onda vem atraindo interesse no mercado desde 2012 e, mais recentemente tem chamado ainda mais atenção. São as constelações de satélites pequenos de baixa órbita (LEO) que, de alguma forma, podem complementar os serviços de satélites geoestacionários (GEO) e os de média órbita (MEO). “Já tem parte das constelações de órbita baixa reduzindo dois problemas, os da latência e cobertura”, observa Perrone. E ainda há os nanosatélites que estão a caminho.

Mas ainda haverá novidades na evolução dos atuais satélites. Com o processo de universalização do 5G vai ser exigida muito mais capacidade dos satélites, que serão parceiros das operadoras móveis nas áreas onde não existir cobertura terrestre, considera o presidente da Abrasat, Fábio Alencar. Para ele, isso só será possível com o uso intensivo das faixas de frequência atuais, como C, KU e KA e também as novas Q/V. “Já temos satélites sendo construídos com essas faixas”, antecipa. O conselheiro da Anatel, Moisés Moreira, informa que as duas bandas já foram destinadas e a agência estuda quais serão as condições futuras para uso desse espectro.

“Sem dúvida esse é o momento de transformação mais intensa dos últimos 20 anos no mercado de satélites”, reafirma Lincoln Oliveira, diretor da unidade de satélites da Embratel. Ele destaca que a empresa vem atentamente estudando todos os movimentos do mercado, como a chegada de constelações de diversos tamanhos, de comunicação só para IoT (Internet das Coisas), de soluções disruptivas e novos formatos.

Em um ano atípico, inclusive com impacto da pandemia sobre o mercado de satélites, a Embratel esteve bastante ativa em meio aos clientes de mídia, no processo de digitalização das portadoras de TV que trafegam em seus canais. Também deu continuidade à estratégia de ampliação de novos negócios nos setores de mobilidade, tanto em backhaul quanto em dados.

Para 2021 a empresa está otimista. Há três fontes de crescimento com as quais ela pretende trabalhar. Além da expansão do backhaul e dos dados, projeta a venda de novos serviços em banda KA através do satélite Star One D1 e crescimento na área de vendas internacionais. Nesse último item, Oliveira esclarece que aos poucos estão sendo levadas para a frota Star One a capacidade satelital que é comprada por empresas do grupo na Américas do Sul e Central.

Esse processo de internacionalização vai mais além. A empresa está treinando um grupo especializado de vendedores da própria Claro, no Chile, Colômbia e Peru, com o objetivo de buscar novas oportunidades para os negócios satelitais da operadora.

Para a Viasat, o mercado brasileiro de satélites é o mais estratégico do continente, o que levou a empresa a priorizar sua operação no país. “Temos uma oportunidade especial ao contar com o único satélite de banda KA com cobertura nacional, o SGDC-1”, diz Bruno Henriques, diretor comercial da companhia. A empresa fechou uma parceria comercial com a Telebras, a dona do satélite.

Henriques comenta que o Brasil tem cerca de 20 milhões de lares não conectados, o que, na sua avaliação, dá um grande espaço para o serviço de internet banda larga que foi lançado pela empresa.

A Viasat deu início à internet residencial oferecendo velocidades de 10 e 20 Mbps em franquias de 40 e 80 GB. Como diferencial, incluiu o uso ilimitado entre duas e sete horas de mensagens e navegação básica com roteador Wi-Fi incluso.

A ideia é incluir em sua estratégia planos voltados para o segmento empresarial, comunicação aérea e internet comunitária para locais remotos. A empresa já possui um acordo com a Azul para fornecer internet a bordo em mais de 100 aeronaves e também trabalha com a Embraer para internet de alta velocidade nos jatos executivos, de forma opcional para o consumidor.

Henriques destaca que o serviço de internet residencial já está em operação em todo o país desde outubro. A operadora iniciou a oferta pelos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Amazonas e no Distrito Federal. Depois expandiu para o restante do país.

Já em relação ao Wi-Fi comunitário, que era seu plano inicial logo após fechar o acordo com a Telebras, o diretor comercial contou que o serviço está em um período de testes no estado de São Paulo, com previsão de expansão para as regiões Norte e Nordeste.

O Wi-Fi comunitário também está nos planos da Hispamar, filial brasileira da Hispasat. Em maio, ainda durante a pandemia, anunciou esse serviço na região Nordeste e, para essa investida, fechou parceria com a EasyTV, fornecedora de soluções de entretenimento e conteúdo digital. Na primeira fase do projeto foram instalados 50 pontos espalhados pelo Maranhão. Os hotspots são gerenciados por meio da plataforma Express Wi-Fi do Facebook. Já a conectividade de dados é fornecida pelo satélite Amazonas 5, em banda KA.

No ano passado, a empresa lançou vários serviços, dos quais alguns dedicados a ISPs. É o caso, por exemplo, da oferta do Express Wi-Fi. A empresa também ofereceu uma nova rota de vendas aos ISPs, que traz o diferencial de manter a base de clientes sob o controle do operador.

Estrutura única

A pandemia surpreendeu a Hughes, que também oferece serviço de banda larga via satélite e conta com cerca de 250 mil clientes. “O consumo médio aumentou 30% de uma semana para a outra”, conta Rafael Guimarães, presidente da empresa. Também aumentou o número de contratações. Já na área empresarial, não houve muita variação, a não ser no segmento de varejo, que tinha muitos projetos de conexão entre lojas e matrizes que vinham sendo postergados e começaram a sair das gavetas.

Este ano foi para a empresa também um tempo de consolidação. Anunciada em maio do ano passado e concretizada em dezembro, a joint venture da Hughes com a Yahsat para atuação no Brasil está passando por um processo de integração. A marca Hughes do Brasil prevalece e em termos de satélites, a empresa continua fornecendo serviços via o Hughes 65 West e Hughes 63 West e mais o Al Yah 3, satélite da banda KA da Yahsat.

A Hughes tem um pé também no mundo das super constelações de satélite LEO, via Oneweb, que tem uma trajetória um pouco controversa. O plano inicial era o lançamento de 650 satélites no período de 2019 a 2020. Depois de ter lançado 75 satélites, a empresa pediu concordata em março deste ano, mas, apesar disso, manteve 65 satélites em órbita. Em maio, solicitou à FCC para aumentar o seu número de satélites para 4.800, mesmo concordatária. Em julho foi anunciado que um consórcio liderado pelo governo britânico e Barthi Global venceu o leilão para a compra da empresa, com cada um dos parceiros prometendo investir US$ 500 milhões no projeto.

Para a Hughes, o momento é de acompanhar o destino da companhia e da estrutura das constelações. “Do ponto de vista econômico, o desafio para que se tornem viáveis para fornecer internet ao consumidor final é contar com um terminal de assinante com preço baixo para que possa ser massivo”, defende Guimarães. “Tudo faz parte das nossas expectativas. Vejo um futuro onde os tipos diferentes de satélites possam conviver e um mesmo assinante pode até ter os dois modelos, com a conveniência da constelação e acessando ainda o geoestacionário, com o custo do bit mais barato”, pondera.

Na visão de Guimarães, hoje, as operadoras celulares utilizam os satélites geoestacionários como backhaul.“Mas e se fosse viabilizada uma solução LEO para isso? É tudo ainda muito especulativo, mas no bom sentido”, pondera.

A SES tem várias apostas em sua estratégia. Ela se prepara para o lançamento de um satélite que conterá exclusivamente a banda KA, terá 200 feixes direcionais de alta capacidade e vai cobrir o Brasil todo. “Isso nos permite reutilizar a capacidade e diminuir o preço”, salienta Jurandir Pitsch, vice-presidente de vendas para América Latina e Caribe.

A empresa também continua investindo fortemente em outro tipo de arquitetura com os satélites de média órbita, cujo projeto foi iniciado com a O3b MEO, que passou a se chamar O3b Networks e, posteriormente, foi adquirida pela SES. Na avaliação do executivo, trata-se de uma operação exitosa, com alta taxa de ocupação. “Estamos com 20 satélites já lançados e o sucesso do projeto nos levou a investir na próxima geração, com 10 satélites mPower”, salienta.

A companhia não tem planos, por enquanto, de investimento nas constelações LEO. “Tem muita empresa nova chegando nessa área, com produtos que prometem diminuir a latência mas, para isso, precisam ter uma constelação enorme e ainda há muitos pontos indefinidos”, observa Pitsch.

Ele considera que 2020 foi um bom ano para a empresa, com os mercados se comportando como tinha sido previsto: o de vídeo quase estabilizado, com expansão de 2% a 3%, e o de dados aumentando significativamente, com taxas acima de 10%. Além disso, a empresa entrou em mercados novos, como comunicação a bordo de aviões ou a cobertura para dar acesso à internet em grandes navios. “O de cruzeiros estava crescendo muito bem, chegamos a colocar 1 Giga em um navio que leva praticamente uma cidade de 4 mil pessoas, que consome muito vídeo e entretenimento”, recorda. Esse processo, entretanto, foi quase paralisado com a pandemia da Covid-19, mas o executivo está otimista para o futuro desses nichos de mercado.

Em contrapartida, aumentou a demanda por parte do governo, principalmente na área educacional. Isso não ocorreu tanto no Brasil, mas em outros países que a empresa opera, como Colômbia e México. Para ele, não há motivos para alterar os planos para o próximo ano. “O mercado de satélites é muito resiliente, o que mostra a sua importância para a economia”, completa.

A Telesat concorda que, apesar de a pandemia ter atingido os mercados de conectividade aeronáutica e marítima, o resultado final de 2020 será bom. “A maioria das receitas da Telesat, tanto no Brasil quanto globalmente, não foi afetada e continuamos a ter margens operacionais robustas e forte fluxo de caixa sustentado por nossa carteira de contratos”, garante Mauro Wajnberg, gerentegeral da Telesat Brasil.

Ele conta que em 2020 a empresa refinou e finalizou o projeto de satélites e da rede Telesat LEO. “Executamos schedule protection agreement com fornecedores chaves para garantirmos o progresso das atividades críticas de desenvolvimento, enquanto complementamos nossas negociações finais sobre o contrato de fabricação”, informa. A constelação Telesat LEO também refletiu em novas contratações de especialistas para atuarem nas áreas de software, redes e função de engenharia da nova constelação.

O executivo reconhece que a Telesat está embarcando em um plano bastante ambicioso e disruptivo com a nova constelação. “Em 2021 esperamos que nossos satélites inovadores já estejam em fabricação e nós estejamos focados nos progressos de todos os aspectos de rede, terrestres e regulatório, necessários para colocar o Telesat Leo em órbita. Wajnberg considera que a revolução pela qual está passando o mercado de satélites se deve a uma série de fatores. Novas tecnologias, como processamento computacional no espaço, enlaces ópticos inter-satélites e antenas phased array, amadureceram e estão prontas para a fabricação em volume a preços atraentes. Além disso, ele lembra que a inovação no mercado de satélites resultou em novos foguetes, mais capazes e confiáveis, o que dá mais flexibilidade para os equipamentos em órbita.

Espaço para os nanosatélites

Se o Brasil já está inserido no universo MEO e LEO, também começa a chamar a atenção de operadores dispostos a oferecer um outro formato de satélites, os nanos. São satélites do tamanho de uma caixa de sapatos com microcâmeras que permitem captar imagens e transmití-las quase em tempo real. Entre as companhias que se interessam pelo Brasil está a Sateliot, empresa que até agora foi a que mais recebeu investimentos de P&D para satélites 5G em toda União Europeia.

Em dois anos investirá 4,6 milhões de euros para projetos de P&D, que permitirão o lançamento e
correto funcionamento da constelação. O investimento total serás de 20 milhões de euros. “Nossa constelação navegará em baixa órbita para oferecer um serviço de IoT global e massivo sob o protocolo 5G”, comenta Jaume Sanpera, fundador e CEO da Sateliot. Ele considera que um dos setores que terá mais impacto serão as agrotechs, uma vez que seus requisitos de atualização são baixos e suas necessidades de conexões são muito altas. “Por isso o Brasil, com um setor agrícola tão potente, será dos primeiros onde entraremos”, conta o executivo.

Sanpera explica que os nanosatélites funcionarão como torres de telecomunicações no espaço, proporcionando uma extensão de cobertura aos operadores móveis a fim de que possam oferecer IoT onde suas redes não chegam. A empresa já está em contato com todas as operadoras mundiais para oferecer essa extensão de cobertura.

“Não podemos esquecer que apenas 10% do planeta conta com conexão, enquanto os 90% restantes são autênticos desertos de conectividade”, pondera. Ele reforça que a empresa está trabalhando com parceiros de ponta em desenvolvimento de tecnologia e sistemas satelitais, como a Gatehouse, para a implementação do padrão internacional 5G NB-IoT para redes satelitais de pequeno tamanho e baixo altura promovido pela 3GPP.

De acordo com o executivo, esse padrão será patenteado para uso exclusivo da Sateliot e se converterá na primeira rede mundial que poderá oferecer conexão 5G global a partir de uma constelação satelital de nanosatélites. Sanpera ainda ressalta que a empresa conta com o apoio da ESA (Agência Espacial Europeia), com quem firmou um contrato de assessoria em atividades de desenvolvimento e execução do projeto e também trabalha com eles para a demonstração do serviço. A seu lado ainda estão outros parceiros, como Open Cosmos e Alén Space.

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