Grizendi: depois da uberização, a neutralização das redes

Brasil está avançando no processo de neutralização das suas infraestruturas de rede fixa e móvel
Eduardo Grizendi, diretor de Engenharia e Operações da RNP | Foto: Divulgação RNP / Ricardo Borges
Eduardo Grizendi, diretor de Engenharia e Operações da RNP | Foto: Divulgação RNP / Ricardo Borges

Por Eduardo Grizendi

Já escrevi aqui neste espaço sobre a “uberização” das redes de telecomunicações, defendendo o compartilhamento como a melhor maneira de reduzir seus custos. Em outras ocasiões, falei também da necessidade de “uberizar” as redes de acesso em rádio, para que possamos tirar o máximo proveito da tecnologia e pagar menos por ela.

As duas modalidades de compartilhamento – de infraestruturas ópticas e de redes de acesso para serviços móveis – funcionam melhor quando aquele que compartilha, opera e mantém a infraestrutura como um negócio em si mesmo, no papel de provedor, não presta de fato os serviços finais de telecomunicações. Assim, não compete com aqueles que se utilizam da infraestrutura compartilhada por ele para prestar os serviços de telecomunicações para o usuário final.

O setor de telecomunicações brasileiro já avançou no compartilhamento de torres, principalmente envolvendo operadoras móveis e, mais recentemente, infraestruturas ópticas. Há dezenas de anos, as torres eram construídas, operadas e usufruídas individualmente pelas próprias operadoras móveis. Ao longo do tempo, as estruturas foram compartilhadas entre diversas empresas. Até que “operadores neutros” de torres, as “tower management companies” ou torreiras – como são conhecidas aqui no Brasil –, entraram no mercado comprando as torres existentes e construindo novas com o objetivo de alugar para as mesmas antigas proprietárias. Hoje, as torreiras são verdadeiros operadores neutros de torres.

Redes metropolitanas neutras

A neutralização das infraestruturas ópticas, intensificando e consolidando a tendência de compartilhamento, já é um fato. Estamos convivendo com diversas redes metropolitanas neutras de acesso, resultantes dessa estratégia. É bem verdade que a neutralização é movida inicialmente por uma operação financeira de “sale-and-leaseback” das operadoras, que vendem um ativo, por necessidade de capital para investimentos, mas continuam fazendo uso da estrutura vendida.

Tais operações se iniciaram como spin-offs das infraestruturas ópticas passivas metropolitanas, leia-se redes GPON/XGPON, separando-se de suas “naves mães”. Isso também aconteceu no início do compartilhamento de torres pelas operadoras móveis, que logo trilharam seus próprios caminhos.

Outro exemplo de redes ópticas neutras está no Programa Amazônia Integrada Sustentável (PAIS) – Norte Conectado, do Ministério das Comunicações (MCom). O objetivo do PAIS é expandir a infraestrutura de comunicações na Região Norte por meio de diversas iniciativas, entre elas, a implantação de uma rede óptica de alta capacidade e baixa latência, majoritariamente subfluvial, baseada em cabos ópticos lançados no leito dos rios da Amazônia. O programa prevê a implantação de oito infovias. Duas delas já foram implantadas e outras três já estão em implantação.

A RNP implantou a Infovia 00 e compartilhou de forma neutra as Infovias 00 e 01, sob orientação do seu Comitê Gestor. O modelo de operação neutra escolhido foi o da constituição de um consórcio aberto para cada infovia. Integram-se ao consórcio operadoras e provedores qualificados e selecionados por meio de processo licitatório. E é o consórcio que opera e mantém a infovia, uma genuína infraestrutura óptica neutra de longa distância.

Mas não é somente nas redes ópticas, metropolitanas e de longa distância, que a neutralização está ocorrendo. Ela já está acontecendo também nas redes móveis, para além das já referidas torres. E a tecnologia 5G veio para alavancar essa tendência. Segundo a ONF (Open Networking Foundation), o 5G deve transformar o serviço móvel atual de duas maneiras distintas e igualmente importantes. Por um lado, na borda, deve suportar o uso massivo de IoT (Internet das Coisas) e de aplicativos sensíveis à latência e de missão crítica. Por outro, a infraestrutura precisa equilibrar o investimento em Capex, com reduzido custo de Opex, para alta eficiência no uso do espectro de frequência. De acordo com a ONF, isso será possível a partir da desagregação da rede (hardware e software), permitindo a democratização de seu uso para que novos participantes possam inovar e apresentar mais soluções disruptivas, com a consequente transformação tecnológica e de negócios.

Neutralização também na rede móvel

As operadoras já estão compartilhando entre si suas redes de acesso, no modelo MORAN (Multi Operator RAN Network), ou acordos de RAN Sharing, e já iniciaram o compartilhamento de seu core de rede no modelo MOCN (Multi Operator Core Network). Para essa desagregação de redes de acesso, como desdobramento do compartilhamento (RAN sharing), o importante conceito de Open RAN promete a redução de custos através do compartilhamento e da neutralização de infraestruturas das redes móveis de acesso.

E o Brasil está acompanhando esse movimento mundial. Algumas operadoras no país já noticiaram ter feito provas de conceito e já existem projetos de P&D no país voltados para o tema, como o OpenRAN@Brasil, financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), e o Grupo de Trabalho (GT) de Open RAN da Superintendência de Outorgas e Recursos à Prestação (SOR) da Anatel. Esse GT tem participação de representantes do Ministério das Comunicações (MCom), operadoras, associações de provedores, fabricantes e academia – esta última responsável por avaliar aspectos regulatórios, financeiros e tecnológicos do modelo Open RAN no Brasil. A mídia vem noticiando também o compartilhamento do core (núcleo) das redes móveis, aos pares, entre as operadoras Claro, TIM, Vivo e a antiga Oi Móvel.

A tecnologia 5G até facilita o compartilhamento de redes móveis, trazendo o conceito de Network Slicing. Basicamente, o fatiamento da rede assegura a separação lógica e física de recursos da rede, dividindo a infraestrutura em diversas fatias que se comportam como redes independentes, cada uma podendo ser configurada para um negócio diferente. Isso seguramente deverá trazer novos negócios e maior abundância de aplicações para as atuais NVNOs.

Assim, os diversos movimentos de compartilhamento evidenciam que a “uberização” já é uma realidade. Mas percebe-se, na medida que a tendência ao compartilhamento se intensifica, a ascensão dos operadores neutros como um modelo de negócio, tendo por objetivo a neutralidade da operação das infraestruturas de telecomunicações, fixas e móveis. Aqui no TeleSíntese, já foi até noticiada recentemente a criação de uma associação entre esses operadores no país.

Preparemo-nos para a neutralização de praticamente todas as infraestruturas de rede. O futuro é neutro e já está acontecendo!

 

Eduardo Grizendi é diretor de Engenharia e Operações da RNP. Foi professor do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), na área de Inovação e Negócios. Trabalhou em empresas e instituições ligadas às telecomunicações e à inovação, incluindo o CPqD e a Agência Inova Unicamp. É engenheiro eletrônico pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e mestre em telecomunicações pelo Inatel.

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Colaborador

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