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Especialistas consideram inconstitucional a tentativa de alterar Marco Civil da Internet

Minuta de decreto que obriga ordem judicial para remoção de conteúdos e contas que firam termos de serviço das plataforma causaria problemas em cascata, avaliam representantes da UnB, do Intervozes, e Coalizão Direitos na Rede
Assunto é polêmico e vem sendo debatido há anos

O governo estuda a publicação de norma que visa alterar o Decreto 8771/16, que regulamenta a Marco Civil da Internet, com parecer favorável da Advocacia-Geral da União às mudanças propostas. Por conta disso, uma audiência pública foi realizada no plenário da Câmara dos Deputados, nesta quarta, 2.

O debate reuniu especialistas e teve a participação de parlamentares. A medida, se surgir, será inconstitucional, segundo três dos seis convidados:  Jonas Valente, representante do Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB;  Flávia Lefèvre, do Intervozes; e Raquel Saraiva, presidente da Coalizão Direitos na Rede.

A audiência pública foi promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. De acordo com as alterações pretendidas, somente por ordem judicial seria possível excluir, cancelar ou suspender serviços e funcionalidades das contas mantidas pelo usuário que violem os termos de serviço das plataformas.

“A proposta fere os princípios da legalidade e da reserva legal na medida que, ao propor a alteração do Marco Civil da Internet, vai muito além disso, o que se mostra contra o processo civil democrático”, falou Lefèvre.

“É inconstitucional também por afrontar o fundamento da livre iniciativa porque limita o funcionamento das plataformas no gerenciamento de conteúdos, fazendo com que remoções só possam  acontecer por ordem judicial”, completou.

“Há uma flagrante inconstitucionalidade nessa proposta. Ela extrapola limites da lei”, disse Saraiva.

Valente, disse que há necessidade de uma regulação pública e democrática. “Um tratamento assimétrico. Não dá para tratar o blog de um indivíduo como se trata as grandes plataformas com dezenas de milhões de usuários”, propôs. Ele pede moderação. “Nem ministério da verdade, nem controle privado”.

Também convidados, Ministério da Justiça e Segurança Pública; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações; Ministério das Comunicações, Secretaria de Cultura, Google/Youtube, Facebook e Twitter não compareceram com nenhum representante.

Falta de definição

Integrantes do CGI (Comitê Gestor da Internet no Brasil) também participaram e levantaram a questão da falta de definição da proposta. “É necessário identificar com clareza o que se pretende atingir com tal regulamentação”, afirmou Márcio Nobre Migon, Coordenador do CGI.

“Queremos preservar a internet como única, e não rompida em pedaços, balcanizada em segmentos. Quando se fala em regulação, em controle da internet, é preciso tomar cuidado para ver até onde esse avanço vai”, apontou Demi Getschko, Conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil e Diretor Presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto Br.

Ele expôs sua preocupação com um exemplo. “Eletricidade é uma coisa, microondas é outra. Quando você cria uma regulação para segurança do uso de microondas, não pode chamar isso de regulação da eletricidade.”

Getschko foi adiante. “A internet é aberta a todos, mas às vezes, na ânsia de se resolver problemas que aparecem, tomam-se medidas muito piores do que as que se tentava resolver. Por exemplo, em alguns países, devido a casos recentes de invasão de redes de segurança, já se questiona a quebra ou não da criptografia. Então é bom tomar cuidado para não se gerar contrapartidas invertidas ao que se propõe.”

Mais problemas

Mariana Valente, do InternetLab, outra convidada, vê uma diversidade de problemas na tentativa de alteração do MCI.

“A ideia é exclusão de conteúdo apenas por ordem jurídica, mas isso não se aplica apenas ao usuário: também ao iFood que entrega comida estragada, ao Uber que assedia passageiro, a provedor que frauda vendas. Pode afetar até site opinativo sobre filmes, por exemplo”, disse. “Em vez de garantir liberdade, vai gerar novos controles”, concluiu.

“Dessa forma, o movimento rotineiro de correção seria incapacitado. Por exemplo, se alguém numa plataforma de imóveis resolve anunciar uma bicicleta, a plataforma não pode remover o anúncio sem ordem judicial”, completou Raquel Saraiva.

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