Edital do 5G desrespeita spectrum cap? TCU diz que sim.

Para o TCU, mudança nas regras de avaliação das propostas poderá permitir que as operadoras comprem mais espectro do que o permitido, o que prejudicaria a competição, mesmo com a devolução das sobras posteriormente.

O relatório a área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou o dedo para duas questões na modelagem do edital do 5G deste ano, inéditas nos leilões passados, e que trazem mudanças profundas nas condições de competição do certame. A primeira delas refere-se ao limite de espectro que cada operadora pode possuir. Para o TCU, a nova modelagem do leilão acabaria, na prática, fazendo com que as três grandes operadoras de celular – Claro, TIM e Vivo – que vão comprar as licenças nobres do 5G (a faixa de 3,5 GHz) possam comprar  mais frequências do que estaria permitido nos regulamentos da Anatel.

Para chegar a essa conclusão o TCU apontou para as alterações na análise das propostas a serem ofertadas. Até este leilão, a Anatel analisava, primeiro, o limite de espectro que cada empresa poderia ter, para depois se certificar de que os lances feitos pelas operadoras não feriam este limite. Agora, a agência propõe que esse limite seja acompanhado pela própria empresa, e que, se tiver excesso de frequências adquiridas, ela devolverá o que excedeu após a conclusão da licitação. Para os técnicos, essa possibilidade é ilegal, pois cercearia a participação de outros competidores, além de afetar o erário. Avalia o TCU:

“Nesse contexto, se as empresas já sabem quais frequências pretendem disputar e quais desejam devolver, bem como se o limite regulamentar de frequências já é conhecido, não se vislumbra qual seria a justificativa para não se exigir, ainda durante a sessão de julgamento, que houvesse uma manifestação formal acerca de quais frequências tais empresas devolverão à Anatel”.

Ou ainda: “Tendo em vista que esse dispositivo permite que a eventual desistência de lotes do 5G possa ocorrer após o término da sessão de julgamento, os lotes que forem devolvidos não poderão ser recolocados em disputa, mesmo que tenha havido outros interessados durante a sessão. Além de reduzir a arrecadação da União, tal situação ocasiona o uso ineficiente do espectro, que ficaria ocioso mesmo tendo empresas habilitadas manifestado interesse durante licitação, o que representa desacordo com o art. 127, incisos II e VII, da LGT.”

Item 12.5 da minuta do edital do 5G

Outra novidade que surgiu neste certame é a intenção da Anatel, expressa no item 12.5 do edital, de outorgar futuras licenças dessas faixas sem licitação. Diz assim esse item:

12.5. Após o encerramento do certame regulado por este Edital, considerar-se-á aferida, pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses a contar do encerramento da sessão de abertura, análise e julgamento das Propostas de Preço, a desnecessidade de licitação disposta no art. 86 do Regulamento de Licitação para Concessão, Permissão e Autorização de Serviço de Telecomunicações e de Uso de Radiofrequência, aprovado pela Resolução 65,de 29 de outubro de 1998, em relação aos lotes deste Edital para os quais não houverem sido apresentadas propostas de preço.

12.5.1. Os lotes que se enquadram no disposto no item 12.5 poderão ser disponibilizados diretamente, por ordem cronológica de apresentação do requerimento, pelo preço mínimo estabelecido neste Edital, a quaisquer interessados que os solicitem no período de 24 (vinte e quatro) meses mencionado no item 12.5.

12.5.1.1. O previsto no item 12.5 não se aplica aos Lotes Tipo D. [sobras da frequência de 3,5 GHz]

12.5.2. O disposto no item 12.5.1 não gera direito ou expectativa de direito para o requerente, podendo a Agência promover nova licitação da faixa, caso entenda conveniente e oportuna.

Para o TCU, no entanto, essa cláusula fere vários artigos da Lei Geral de Telecomunicações (LGT) pois estaria criando uma nova modalidade de outorga de frequências, que não a licitação ou chamamento público.

Argumenta o tribunal;

Tal dispositivo da minuta de edital do 5G gera insegurança jurídica aos proponentes, bem como configura a tentativa de criação, por intermédio edital de licitação, de nova modalidade de outorga de frequências, violando os arts. 91, 92, 164 e 165 da LGT. 

Diz ainda que esta cláusula poderia favorecer empresas que não conseguiram se habilitar para participar da licitação e, logo em seguida, poderia comprar as sobras das frequências por preços inferiores, sem qualquer compromisso de cobertura. Para o tribunal,  essa cláusula poderia ser fartamente usada para a sobra da frequência de 26 GHz, o que provocaria prejuízos à isonomia.

Assim, os técnicos do TCU recomendam que a Anatel elimine toda essa cláusula do edital sob os seguintes argumentos:

“Com fundamento no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992 c/c o art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU e no art. 4º, inciso I, da Resolução-TCU 315/2020, que exclua a cláusula 12.5 da minuta de edital da licitação do 5G para que seja retirada a possibilidade de outorga de frequências sem licitação nem chamamento público para a primeira empresa que se manifestar, mesmo que não seja a única interessada, por afronta aos arts. 91, 92, 164 e 165 da LGT c/c o art. 86 da Resolução Anatel 65/1998, ao dever de motivação dos atos administrativos, previsto no art. 2º, caput, da Lei 9.784/1999, e aos princípios da isonomia e da publicidade, previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988”

 

 

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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