Descarbonização do setor energético passa por mudanças na política de radiofrequências, diz UTC

Utilities afirmam que rede das operadoras não foram projetadas para missões críticas, como o monitoramento da produção de energia

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Não pode haver descarbonização do setor energético sem uma infraestrutura avançada de comunicação com reserva de espectro para as utilities, afirma Julian Stafford, diretor técnico do Conselho de Telecom Utilities da Europa (EUTC). O setor tem demandado entre 3 MHz e 5 MHz de espectro na faixa dos 400 MHz com o intuito de instalar sua própria rede privada para comunicação com os equipamentos.

Um maior monitoramento dos ativos possibilitaria uso mais eficiente da energia elétrica. Assim, cabos aéreos poderiam transportar mais energia quando estivessem sendo resfriados pelo vento, sendo vigiados para evitar um superaquecimento. Além disso, fontes de energia renováveis, como eólica e solar, podem ser imprevisíveis, argumenta o setor, o que demanda gerenciamento para armazenamento e ajustes entre produção e demanda.

As utilities afirmam que as atuais de radiofrequências não poderiam se encarregar da operações propostas. Julian Stafford explica que o número de equipamentos a serem conectados subiu muito, passando de uma média de 10 mil para 10 milhões ou até mesmo 100 milhões. Muitos deles também ficam localizados em regiões remotas, onde a cobertura das operadoras não alcança.

Não apenas o número de dispositivos conectados subiu, como também o tráfego de dados necessários. Com as smart grids, o volume de dados deve crescer entre de 100 até 1000 vezes, estima Stafford. “Essas redes [das operadoras] são desenhadas somente para providenciar conectividade em nível de consumo, e não para missões críticas de infraestrutura”, disse.

A 5G também não seria capaz de resolver o problema, apesar de incorporar elementos de interesse para as utilities, como networking slicing e baixa latência. Isso porque sozinha não providenciaria a alta confiabilidade da rede.

Outra demanda é a padronização de espectros, ou seja, que cada país ofereça faixas semelhantes para o setor energético, a fim de reduzir custos dos equipamentos. Para tanto, a UTC tem trabalhado com reguladores de todo mundo, inclusive a Anatel no Brasil. Stafford comenta que o progresso tem sido positivo na América Latina, América do Norte e Europa.

Brasil segue “um pouco atrasado”

No Brasil, o que falta para a implantação dos projetos é a liberação da faixa entre 410-430 MHz, a “cereja do bolo”, nas palavras do vice-presidente da UTC América Latina, Ronaldo Santarem. O grupo passou a mirar com maior interesse essas faixas, depois da judicialização da transferência da faixa de 450 MHz. A frequência foi destinada para instalação da 4G em zonas rurais, mas permaneceu desocupada.

Por meio do Anatel Utilities, o conselho tem discutido com a Anatel a possibilidade de licenciamento do espectro para o setor energético. Segundo Santarem, o grupo tem tido sucesso em sensibilizar a autarquia para suas demandas. Ainda assim, o Brasil permanece atrasado na destinação das faixas, especialmente, em comparação com a Europa.

Uma das explicações para isso seria que a matriz energética brasileira se baseia nas hidrelétricas, que não emitem CO2, enquanto no Velho Continente predomina a queima de carvão e fóssil. “Lá [Europa] os reguladores de telecomunicações foram obrigados a começar a conversar com o setor de utilities, porque dependia deles terem uma rede robusta que atendesse às fontes de energia renováveis, mais afastadas dos centros urbanos”, comentou o vice-presidente.

A mesma distância inviabiliza a conexão das utilities com suas fontes energéticas no Brasil. O país conta com geração de energia eólica no interior do Ceará e grandes hidrelétricas em áreas remotas, como a de Belo Monte, no Pará.

Embora a crise energética causada pela falta de chuvas acenda um alerta sobre a questão climática, Santarem acredita que no momento que as chuvas recomeçarem, um uso mais eficiente da energia elétrica voltará a sair da pauta entre os reguladores.

Avanços na Europa

Alguns países do continente europeu liberaram espectro para uso das utilities. A Polônia licenciou em setembro de 2019 as faixas de 450-470 MHz para a rede privada do Grupo de Energia Polonês (PGE). Dois meses depois, foi a vez da Irlanda entregar a faixa de 400 MHz para uso do Electricity Supply Board (ESB). Saindo do padrão, a Espanha reservou a faixa de 2,3 GHz para as utilities em julho de 2020. Já a Alemanha destinou as frequências de 450-470 MHz.

Recentemente, a Comissão Europeia apresentou um plano de ação para a digitalização do setor energético. O órgão convidou acionistas e cidadãos para fornecerem seu ponto de vista. O documento apontou algumas preocupações sobre a digitalização do setor. Dentre eles está a cibersegurança, uma vez que a conectividade aumenta a superfície vulnerável a ataques cibernéticos, bem como proteção de dados e privacidade. “A crescente demanda energética por equipamentos ICT, redes e serviços precisa ser adequadamente gerenciada no contexto de um ecossistema integrado de energia”, diz o plano.

De acordo com Julian Stafford, os esforços da EUTC para conseguir espectro de rádios vem antes do relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Lançado em agosto deste ano, o relatório prevê aumento de entre 1,5º C e 2º nas próximas décadas. Com isso, a expectativa da EUTC é de que haja maior foco na questão climática.

O diretor técnico da organização conta que os trabalhos para endereçar a descarbonização do setor começou há cerca de dez anos, já com a expectativa de que “uma grande mudança nas políticas de radiofrequência leva muitos anos para acontecer”.

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Ramana Rech

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