Barbosa: Por que o Brasil precisa fomentar novos entrantes no mercado móvel
À luz da revisão do PGMC, é hora de ampliar o olhar sobre competição e inclusão digital

Luiz Henrique Barbosa * – A revisão do Plano Geral de Metas de Competição (PGMC) pela ANATEL é uma oportunidade estratégica para reavaliar as dinâmicas de concorrência no setor de telecomunicações e corrigir distorções que limitam o avanço da conectividade no Brasil. O debate é essencial para definir os rumos de uma política regulatória que precisa refletir o tamanho e a diversidade do país — e que deve ter como prioridade ampliar o acesso à rede móvel de forma mais justa, eficiente e equilibrada.
A atual estrutura de mercado ainda concentra poder econômico e espectro nas mãos de poucos grupos, o que, na prática, tem deixado grande parte do território nacional sem cobertura efetiva. Segundo dados oficiais, em torno de 20% da área geográfica do Brasil tem sinal de rede móvel. Isso revela o descompasso entre a concentração de mercado e a necessidade de inclusão digital para todos os brasileiros.
Esse quadro se agravou com a saída da Oi Móvel e a consolidação do espectro entre apenas três grandes operadoras.
O efeito direto foi o aumento significativo dos preços dos serviços móveis — fato já registrado nos relatórios da própria ANATEL e amplamente reconhecido pelo mercado financeiro. Casas de investimento e analistas destacam publicamente o aumento das margens e dos resultados financeiros das operadoras móveis como reflexo direto desse novo cenário com menor rivalidade. Ou seja: menos concorrência resultou em serviços mais caros, maior lucratividade para poucas empresas e menos acesso para os consumidores.
Além disso, os remédios regulatórios impostos à operação de compra da Oi Móvel foram, na prática, desidratados pelas companhias envolvidas — com ao menos uma delas recorrendo à Justiça contra esses compromissos, em processo sob segredo de Justiça. A eficácia das medidas corretivas está claramente em xeque, o que reforça a necessidade de uma atuação mais firme do regulador na atualização do PGMC, instrumento válido como política para um horizonte de 05 anos e que será seguramente revisado, diga-se de passagem. A título de exemplo, no caso dos remédios, temos licitações públicas em que as MNOs oferecem preços muito inferiores (menos da metade!) aos da ORPA de MVNO objeto do remédio concorrencial.
Outro ponto crítico é a limitação da cobertura móvel. A ausência de competição tem desincentivado a expansão geográfica da rede, que permanece concentrada em grandes centros urbanos. Um exemplo prático e emblemático é o agronegócio brasileiro — setor estratégico para a economia nacional e no qual o Brasil disputa posições de liderança global. Hoje, mais de 70% da área agricultável do país permanece sem cobertura de rede móvel. Isso significa que cadeias produtivas que precisam rastrear insumos, operações, logística e dados climáticos em tempo real estão à margem da conectividade. A manutenção do status quo compromete a digitalização no campo e enfraquece a competitividade do país em um mercado global cada vez mais exigente em controle, rastreabilidade e sustentabilidade.
Nesse contexto, torna-se ainda mais urgente defender e fortalecer o modelo de Exploração Industrial de Radiofrequência (EIR). O novo mercado de EIR não pode ser desmontado — sua extinção representaria, na prática, um bloqueio à entrada de novos prestadores no mercado móvel, perpetuando o atual oligopólio e reduzindo a capacidade de resposta do setor às necessidades da população e da economia.
Em muitos municípios brasileiros, especialmente aqueles com menos de 30 mil habitantes, a situação já é crítica: há, em regra, uma única antena e apenas uma faixa de radiofrequência em operação. Essa infraestrutura limitada vem sendo utilizada por meio de acordos de ran sharing, que, embora tragam ganhos de escala, caminham na direção de uma rede única. Essa concentração eleva o risco de falhas sistêmicas e reduz a capacidade de resiliência do serviço, afetando diretamente a continuidade e a qualidade do atendimento à população.
É neste contexto que ganha força o argumento pelo fomento a novos entrantes — especialmente as MNOs regionais, viabilizadas a partir do leilão do 5G, e as MVNOs, que trazem modelos mais ágeis, inovadores e voltados para nichos desassistidos. O histórico do setor mostra que as grandes operadoras têm, majoritariamente, priorizado municípios com mais de 100 mil habitantes — cerca de 300 cidades, de um total de 5.570. Esse recorte territorial evidencia que o modelo atual é insuficiente para garantir a universalização do acesso.
É também essencial reafirmar a importância da manutenção do conceito regulatório de Prestadores de Pequeno Porte (PPPs), que trouxe benefícios concretos e mensuráveis ao setor. Foi por meio desse reconhecimento regulatório que milhares de empresas conseguiram entrar no mercado de banda larga fixa, levando conectividade de qualidade a áreas ignoradas pelos grandes grupos econômicos. Com estruturas enxutas, maior proximidade com os usuários e capacidade de adaptação, essas empresas foram responsáveis por boa parte da expansão da internet no Brasil profundo.
Não surpreende, portanto, que a existência do conceito de PPPs incomode os grandes grupos, que buscam sistematicamente criar barreiras artificiais à entrada de novos competidores — movimento que se alinha aos alertas clássicos de Michael Porter sobre o uso do poder de mercado para limitar a rivalidade e preservar margens elevadas. A tentativa de suprimir ou enfraquecer a figura das PPPs, seja por meio da uniformização de regras ou da imposição de obrigações desproporcionais, nada mais é do que uma estratégia de proteção a um oligopólio consolidado, que prefere operar sem competição real.
É fundamental que o regulador reconheça que o mercado móvel tem características distintas: não comporta milhares de prestadores, como no serviço fixo, mas também não passa no teste do riso se for operado apenas por três grandes grupos. Um equilíbrio é necessário — e o incentivo à diversidade de modelos de negócio, como MVNOs, redes neutras, MNOs regionais, EIR e PPPs, é o caminho para esse equilíbrio.
A TelComp defende que a atualização do PGMC olhe com coragem para o futuro e com responsabilidade para o presente. Um país do tamanho do Brasil precisa de mais competição, mais inovação e mais inclusão — não de mais concentração. A preservação do EIR, o fortalecimento dos pequenos prestadores e o estímulo a novos entrantes são condições indispensáveis para conectar o Brasil real — aquele que começa onde termina a lógica dos grandes centros.
Luiz Henrique Barbosa * é presidente executivo da Telcomp