ANPD sob a Presidência ainda gera dúvidas no governo

Cade elabora estudo em que aponta viabilidade de absorver a ANPD e diz que seria possível ter a autoridade funcionando já em janeiro de 2021. Medida, no entanto, depende de mudança legislativa.

Embora tenha em mãos a minuta de um decreto que define a estrutura inicial da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) desde 2019, a Casa Civil ainda avalia como criar o órgão. Integrantes do governo não estão convencidos de que o melhor arranjo institucional é manter tudo sob a Presidência da República.

Se há pouco mais de um ano circulava a hipótese de unir a ANPD ao ITI (Institudo Nacional de Tecnologia da Informação), há integrantes do governo a favor de colocar, agora, a autoridade sob tutela do Cade, o Comitê Administrativo de Defesa Econômica.

A proposta ainda é inicial, mas já tem uma ampla defesa dentro da autarquia (veja abaixo). Enfrentaria um longo caminho pela frente pois teria de passar pela área jurídica da Casa Civil e, principalmente, demandaria a aprovação de um projeto de lei que modifique a previsão de que a ANPD fica na Presidência por dois anos.

“O desenho institucional do órgão teria de ser revisto, para garantir que ele não fosse prejudicado em suas funções atuais”, lembra um especialista em direito e privacidade que prefere não se identificar.

A ideia não seria de todo despropositada, no entanto, uma vez que “os dados são o novo petróleo”, e cada vez mais haverá convergência entre a competição e a concentração de base de dados nas mãos de integrantes do mercado. Mas a interação do Cade, com agências (Anatel, ANTT, Aneel etc.), poderia resolver a questão.

O mesmo especialista lembra que a indefinição acerca da ANPD não é saudável para ninguém: nem para o setor privado, nem para o poder público. Enquanto no Parlamento a MP 959, que adia a vigência da LGPD para maio de 2021, corre o risco de caducar, a ausência de uma autoridade nacional para fiscalizar a aplicação da Lei prestes a entrar em vigor traz insegurança jurídica para todos.

“Imagine a prefeitura da pequena cidade do interior, que mal tem estrutura de manutenção de um site e os líderes não conhecem a LGPD, e poderão, de hora para outra, receber notificações para explicar o tratamento de dados que fazem do cidadão, sem ter qualquer preparo institucional para responder a isso”, lembra o especialista. Em resumo, a demora em sair a ANPD pode emperrar serviços de governo digital locais.

Estudo circula em Brasília

O Tele.Síntese teve acesso a um estudo que o próprio Cade realizou e que está passando de mão em mão entre as autoridades em Brasília. Confira aqui a íntegra do material.

O relatório feito pelo órgão defende que a ANPD seja incorporada ao Cade para acelerar sua entrada em vigor. Procurado, o órgão não respondeu se o estudo foi requisitado pela Presidência, Casa Civil, ou parte de iniciativa própria.

O texto, com data de agosto de 2020, destaca que a falta da ANPD traz problemas à regulamentação e fiscalização da LGPD “gerando insegurança jurídica e afetando o ambiente de negócios no país”. O órgão se diz capaz de absorver a ANPD com independência e imparcialidade.

“Verifica-se que das 24 competências propostas para a autoridade de proteção de dados, 23 já são desempenhadas para a defesa da concorrência pelo Cade, de forma que as capacidades instaladas poderiam ser apenas ampliadas para abarcar também os objetivos da proteção de dados”, traz o documento.

Para Danilo Doneda, professor Doutor em Direito Civil (UERJ), a proposta é interessante. Mas é preciso garantir que as atribuições da ANPD sejam integralmente preservadas e separadas dos trâmites ordinários hoje existentes no Cade, para garantir que ambos não sejam prejudicados.

“O grande receio é que, em vez de se criar uma nova entidade, o Cade acabe incorporando a proteção de dados às suas atividades ordinárias, como uma atividade secundária. É necessária uma reformulação para se manter a autonomia da ANPD, e não vejo como fazer isso sem lei específica”, destaca o professor.

200 servidores

O relatório do Cade estima ainda que a absorção ANPD pela autarquia representaria uma economia de R$ 108 milhões aos cofres públicos.

Pelas contas do Cade, uma ANPD criada do zero exigiria 200 servidores para dar início aos trabalhos. Haveria Assessoria Internacional, de Comunicação, Auditoria, Corregedoria, Procuradoria Federal, Planejamento e Administração. Bem diferente o projeto enviado pelo Ministério da Economia, que previa cerca de 50 profissionais.

Se a ANPD fosse criada dentro do Cade, seria criada apenas uma superintendência de Proteção de Dados, que necessitaria de 41 funcionários comissionados e outros 110 na área técnica. Haveria divisão do prédio, da TI, da administração, da comunicação, da Procuradoria Federal, auditoria, ouvidoria.

Com a incorporação, o Cade estima reduzir em dois a três anos o tempo para que as funções da ANPD sejam desempenhadas “de forma madura, alinhada com as melhores práticas internacionais”.

O órgão traz prazos otimistas no estudo. Estima que até janeiro de 2021 seria possível ao governo mudar a lei, dotar o Cade de orçamento e pessoal, iniciar um plano interno te transformação, e ter já no começo do ano que vem tudo funcionando como políticas autônomas, mas integradas na mesma autarquia.

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Rafael Bucco

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