Ancine estuda mudar a Condecine para taxar VoD

Análise de Impacto Regulatório, em consulta pública, também prevê flexibilização de propriedade cruzada nesse serviço

A Ancine abriu, nesta sexta-feira, 13, a consulta pública sobre a Análise de Impacto Regulatório (AIR), que aponta formas de regulação do Vídeo sob Demanda (VoD, na sigla em inglês). Para a agência, o provimento do serviço aos brasileiros deve adequar suas atividades à legislação brasileira. Mas entende que, em face da extraterritorialidade de alguns serviços, a aplicabilidade plena da legislação nacional depende de ações administrativas e regulatórias que podem envolver tratamento tributário diferenciado, regulação dos meios de pagamento, a exigência de filial brasileira ou mudanças de legislação ou jurisprudência sobre os serviços prestados por empresa sem filial no Brasil.

A Ancine defende que os limites à propriedade cruzada estabelecidos pela Lei 12.485 para a TV paga são referência também para o VoD. Mas admite que, quando da avaliação deste modelo deve-se levar em consideração que, devido às diferenças entre este mercado e aquele de TV paga, o provimento do serviço até poderia ser feito pelas empresas de telecom – detentoras da infraestrutura – desde que os catálogos sejam organizados de forma independente. “As empresas também podem atuar como lojas de VoD transacional ou na aglutinação dos serviços e catálogos de outros provedores, como atualmente. Em qualquer dos casos, os interesses comerciais da empresa concorrem para ampliar e não para restringir a oferta de conteúdos e catálogos”, propõe.

Em relação a tributação, o relatório destaca que ISS e Condecine são os dois tributos de menção obrigatória na análise do VoD. Com a inclusão do streaming de vídeo entre as hipóteses de incidência do ISS (LC157, de 2016), as receitas das principais operações de VoD passaram à incidência desse tributo municipal (alíquotas no intervalo de 2% a 5%), em detrimento do ICMS, de âmbito estadual. Isso pode implicar uma diferença de tratamento em relação à TV por assinatura. “Além disso, considerado o conjunto de tributos incidentes sobre valor agregado ou o consumo (destacadamente COFINS e Contribuição para o PIS, além de ISS e ICMS), o ônus tributário no Brasil é significativamente mais baixo do que algumas economias vizinhas”, destaca a agência do audiovisual.

A agência adianta que há previsão de incidência da Condecine sobre as remessas financeiras ao exterior (Condecine-remessa) e sobre a exploração de obras publicitárias e não publicitárias em segmentos de mercado não classificados A primeira importa uma contribuição ad valorem sob controle administrativo da Receita Federal, mas que tem relação direta com as políticas de financiamento público e coprodução de obras independentes.

Propostas

De acordo com a Ancine, sob o enquadramento atual do VoD, há efeitos problemáticos da Condecine sobre as relações de competição e a formação de catálogos mais amplos. Além da política de isenções onerar a produção independente em relação os conteúdos próprios das programadoras, o uso de alíquota específica (fixa) acaba por tratar de forma igualitária empreendimentos muito desiguais. “Os efeitos esperados são contrários ao preceituado, com a tendência à redução da quantidade e diversidade dos títulos, dificuldades de inclusão de obras independentes, menor oferta de serviços e maior concentração”, avalia.

Para superar essa dificuldade, a Ancine analisou possibilidades de alteração da Condecine. Uma delas é a incidência sobre receitas e não sobre títulos como é agora. ‘Entre todas as possibilidades analisadas, a primeira destaca-se como modelo geral por tratar com mais equidade e isonomia os diferentes provedores, segundo sua capacidade contributiva; afastar distorções no trato de segmentos concorrentes; e envolver maior simplificação de procedimentos e menor custo burocrático”, observa.

Outra alternativa analisada da reforma da Condecine prevê a incidência sobre assinaturas e transações. Mas entende que, embora esse sistema não afete a amplitude dos catálogos e observe uma relação mais próxima com a capacidade contributiva dos agentes do que a atual Condecine-título, não considera as diferenças de preços e tende a valorizar os serviços mais bem colocados e a penalizar os menores preços. Além disso, constata que o modelo não alcança os serviços baseados em publicidade.

Outro modelo prevê a incidência da Condecine sobre catálogos. Nesse caso, diz a Ancine, o modelo sugere um fator de regressividade aplicado sobre a estratificação dos catálogos, segundo seu número de títulos. Ao não observar a atratividade do catálogo, essa possibilidade tende a nivelar empreendimentos desiguais, a não diferenciar os tipos de conteúdos e a apresentar algumas dificuldades no enquadramento de obras seriadas.

No caso de conteúdos independentes, a Ancine considera que é preciso estabelecer estratégia diferente da que está imposta para a TV por assinatura. “Em face da posição atual do VoD no mercado audiovisual e da expressiva internacionalização do segmento, a relação com conteúdos independentes é assunto regulatório decisivo para o desenvolvimento audiovisual do país”, afirma.

Cotas

Sobre inserção de conteúdos brasileiros nos catálogos de VoD, a Ancine trabalha com três propostas. A primeira delas prevê medidas restritivas em relação à oferta de conteúdos estrangeiros, como a imposição de ônus tributário diferenciado para conteúdos estrangeiros. A segunda propõe a adoção de estímulos ao licenciamento voluntário de conteúdos nacionais, como financiamento, incentivos fiscais e compras públicas. E a terceira parte para a oferta obrigatória dos títulos nacionais e independentes pelos provedores.

Sobre a adoção de cotas, a Ancine recomenda que para o VoD, caso adotadas, sejam mais flexíveis, permitindo uma transição gradual até o nível de oferta desejado, tendo em vista a falta de evidências sobre as consequências da adoção imediata desse mecanismo nos moldes atuais.

A Ancine ainda defende que, na questão regulatória, seja reproduzida no VoD a divisão proposta pelo marco da TV por assinatura, que define o acompanhamento do mercado de comunicações eletrônicas (as redes de telefonia, TV e internet, terrestres e satelitais) pela Anatel e o mercado audiovisual (da produção ao empacotamento) pela Ancine. “Essa definição de competência, porém, deve vir acompanhada da ampliação e aperfeiçoamento das capacidades, indicadores e ferramentas disponíveis”, sustenta.

Veja aqui a íntegra da AIR. Serão recebidas contribuições até o dia 14 de outubro.

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Lúcia Berbert

Lúcia Berbert, com mais de 30 anos de experiência no jornalismo, é repórter do TeleSíntese. Ama cachorros.

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