Anatel deve ampliar fiscalização de equipamentos de telecom, recomenda ouvidor

Thiago Botelho propõe ação mais eficiente junto a fabricantes, importadores e distribuidores para impedir a comercialização de produtos não certificados
Thiago Botelho, ouvidor da Anatel: recomendação ao Conselho Diretor para a criação de diretriz de combate à pirataria

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deve ampliar a fiscalização contra a comercialização de produtos de telecomunicações não certificados e homologados pelo órgão, inclusive celulares importados. Para tanto, a agência reguladora precisa priorizar ações junto aos elementos centrais da cadeia do setor, tais como fabricantes, importadores e distribuidores, além de fazer campanha de esclarecimentos ao consumir sobre os riscos à saúde e à segurança que corre ao comprar equipamentos ilegais. Essa é uma das medidas sugeridas pela Ouvidoria do órgão em relatório encaminhado neste mês ao Conselho Diretor com propostas para ampliar o combate à pirataria no país.

“Nosso sonho de consumo é que o selo da Anatel tenha o mesmo reconhecimento do Inmetro”, afirmou ao Tele.Síntese o ouvidor da Anatel, o economista Thiago Botelho, que é especialista em regulação e servidor de carreira do órgão. Foi uma referência ao selo emitido pelo  Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), responsável por avaliar a conformidade de um produto para verificar se ele é produzido conforme os requisitos mínimos necessários.

No relatório, um dos desafios identificados é “o combate à distribuição, comercialização, importação, exportação e utilização de equipamentos de telecomunicações sem certificação ou homologação, que impõem riscos significativos aos consumidores”. Daí é sugerida  uma ação mais eficiente junto a fabricantes, importadores e distribuidores para impedir a comercialização de produtos não certificados.

Em 2018, os principais resultados das ações de combate a produtos ilegais foram as seguintes:

  • aproximadamente 200 mil produtos para telecomunicações sem homologação que estavam prestes a serem comercializados, ou que estavam em utilização, foram lacrados ou apreendidos;
  • cerca de 30.000 produtos foram retidos nos recintos alfandegários dos Correios ou de outras empresas courriers;
  • 193 anúncios veiculados na internet foram retirados do ar;
  • mais de 20 expositores foram flagrados comercializando produtos para telecomunicações sem homologação em feiras do setor.

Tele.Síntese: O traz o relatório da Ouvidoria sobre combate à pirataria?

Thiago Botelho: É um relatório dentro da competência da Ouvidoria de apreciação crítica, fazendo uma avaliação sobre o trabalho da Anatel sobre o combate à pirataria. A gente percebe que há uma evolução bastante grande nos últimos anos, a Anatel cada vez mais integrada ao Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP), do Ministério da Justiça. Mas tem muita coisa para avançar. A Ouvidoria está recomendando que essa questão da pirataria venha para uma centralidade maior, venha para uma diretriz específica sobre isso do Conselho Diretor para nortear os trabalhos da agência e das superintendências e que a Anatel possa articular de forma mais contundente campanhas de educação do consumidor para que o consumidor saiba do perigo de contratar a aquisição de um produto pirata, seja um equipamento não homologado que possa vir a explodir, que tenha os parâmetros de radiação não ionizante ou um serviço de conteúdo que não seja licenciado E que esteja, ao infringir a legislação, cometendo um crime às vezes sem saber.

E o que a Anatel tem feito nessa área não é o adequado e está aquém do que deveria ter sido feito?

Botelho: A questão maior é ter uma integração, porque essa parte de conteúdo,  que tem aí uma competência conjunta com a Ancine [Agência Nacional do Cinema],está quase no estado da arte. É uma questão de tecnologia,  mas que ainda está incipiente, precisa evoluir. A gente está sugerindo o estudo do modelo português, que é um modelo em que as prestadoras mesmo se reúnem e fazem o monitoramento tanto do mercado e, quando elas identificam um conteúdo pirata que não tem a devida autorização para aquilo, comunicam a agência, lá no caso de Portugal,  para que isso seja feita a interrupção daquele conteúdo pelos prestadores. A gente entende que a Anatel, por ser o órgão de Estado que tem o relacionamento com os provedores de comunicação multimídia, ela esteja na centralidade dessa questão. É uma sugestão para que a Anatel estude melhor o modelo, estude essa questão, e tenha de fato uma liderança nesse processo.

Não pode sofrer uma acusação de que seja uma transferência de atribuição do Estado para o setor privado?

Botelho: Não, por que a gente pretende que seja um trabalho em conjunto. É mais um trabalho de parceria, mesmo porque as empresas têm muito mais braços do que o regulador, para estar monitorando isso. Elas têm áreas de antifraude, e que sabe quando o conteúdo dela está sendo pirateado, e já funcionam fazendo denúncia. Mas nós queremos tentar dar um tratamento e uma resposta mais célebre.

Há outros casos de pirataria?

 Botelho: Sim. Inclui equipamentos não homologados, como celulares importados. Por isso, estão sendo feitas várias atividades de inteligência maior, com a Receita Federal trabalhando em fronteiras, fazendo uma série de apreensões em cima disso. Mas, da mesma forma que a Anatel se aperfeiçoa, eles também fazem isso. Se você vai na Feira do Paraguai [a Feira dos Importados, em Brasília], hoje, você encontra um vendedor com três equipamentos na barraca, e 50 na mala do carro. O restante está espalhado por aí, em depósitos,que dificilmente a gente consegue achar. Tem que ter uma trabalho de inteligência policial para isso.

 Mas quem compra consegue usar o produto?

 Botelho: Sim. E não é só apenas o celular. Os equipamentos também que o usuário compra sem saber o que está embarcado ali. Não sabe se aquele equipamento está adequado para a rede elétrica, podendo até explodir. Então tem uma série de questões. É por isso que a Anatel faz esse trabalho de homologação de produto. Não é porque a gente quer regular. É preciso dar garantia ao usuário de que o produto que ele está consumindo é adequado para o consumo.

Tivemos muitos casos com problemas com babá eletrônica, porque ela transmite em outra faixa de frequência, e isso acaba interferindo, por exemplo, na transmissão da televisão do vizinho.

Todo aparelho eletrônico da comunicação tem que ter a homologação da Anatel. Todo aparelho que emite radiofrequência, inclusive cabo, porque ele precisa ser blindado. Todos precisam ter um selo. Nosso sonho de consumo é que o selo da Anatel tenha o mesmo reconhecimento do Inmetro. Por isso, a gente sugere que o Conselho Diretor abrace essa causa. Isso tem sido bem tratado, mas ainda precisa avançar.

No caso português, o combate aos site é feito por pool de empresas?

Botelho: Isso. Fazem o monitoramento do mercado e quando há um indício de irregularidade, elas fazem um estudo mais aprofundado e, de fato, verificando que aquele conteúdo que está sendo propagado não tem autorização para aquilo, entra em contato com órgão, para que seja tomada as medidas cabíveis. Então, é uma área nebulosa, porque o conteúdo é na Ancine, mas é a Anatel que tem o contato com os provedores de serviços. Ou seja, uma questão que seja feita com o bloqueio com os provedores de serviços. Então, a gente entende, por esse motivo, que a agência deveria estar na centralidade do processo. A gente já faz esse combate na prestação clandestina, eventualmente. Então tem muita coisa que a gente pode aperfeiçoar. O conteúdo é da Ancine, mas o meio para acessar o conteúdo é regulado pela Anatel. E esse conteúdo, muitas vezes, vai estar fora do país. Tem todo um processo de procura de endereço, de descobrir a localidade. Aí acha, derruba, e dois minutos depois ele sobe em outro lugar, outro estado, outro país. Então, se você cortar o acesso da infraestrutura, é mais eficaz. O acesso é feito pela própria operadora. Aí seria o trabalho do pessoal do conteúdo identificar qual é a página que está veiculando. O provedor faz o corte do acesso à página. 

Só pode veicular conteúdo audiovisual se for via TV Paga?

Botelho: Não exatamente. A Netflix, por exemplo, um terceiro pirata copia esse conteúdo e coloca isso no ar, em uma Netflix pirata, para o usuário acessar de forma gratuita, ou em um valor menor. Isso tem acontecido muito. A Ancine tem um fórum específico para resolver isso. Mas essa é só uma das várias vertentes da pirataria. 

E quanto à radiodifusão?

E um problema antigo que a Anatel tem combatido é a prestação contínua de radiodifusão clandestina, por exemplo. E esse é um problema gravíssimo, porque o transmissor clandestino acaba interferindo,tanto no serviço de radiodifusão outorgado, quanto na aviação civil. Tivemos  um caso em Pernambuco, há seis meses, em que tivemos que fechar o aeroporto, porque tinha uma rádio pirata interferindo no sistema de comunicação. Nesse caso, demorou uns dez ou quinze dias para a Anatel localizar, porque não é um trabalho fácil, de localização da fonte emissora. E às vezes, por isso ser pouco divulgado no meio jurídico, a Anatel faz a apreensão e o clandestino vai ao judiciário pedir a apreensão do equipamento, por ele ser de baixo potencial ofensivo. Mas isso não quer dizer nada. E isso não é de conhecimento do Judiciário, daí ele acaba liberando. Nós estamos propondo ao Conselho Diretor da Anatel, que seja feita uma proposta de alteração legislativa, onde a atuação da Anatel possa fazer a destruição in loco desses equipamentos não homologados. Esse é um trabalho dobrado. A gente vai à campo, gasta bastante energia, achamos a fonte transgressora, fazemos o lacre, que fica sobre posse da agência. Isso ocupa espaço, gasta recurso. 

 

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Abnor Gondim

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