Plataformas digitais têm vantagens artificiais e injustas, diz Abert

Em sua contribuição para consulta pública do CGI, entidade diz que nos últimos anos as plataformas levaram o mercado a "cenário insólito do capitalismo"
(crédito: Freepik)

No Brasil é nítida a não aceitação por parte das plataformas digitais, que majoritariamente vivem de receitas publicitárias por venderem a anunciantes espaços e inserções publicitários, de serem consideradas veículos de divulgação que também são. Com isso, criam uma situação assimétrica e excepcional em que simplesmente não se submetem às mesmas regras, buscando vantagens competitivas artificiais e injustas. O alerta foi dado pela Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV), ao lado de mais seis entidades de comunicação, na contribuição para a consulta pública feita pelo CGI.br sobre regulação das plataformas digitais.

A pressão pela regulação das plataformas digitais pela Abert vem sendo feita há um tempo. Em fevereiro, o presidente da entidade, Flavio Lara Resende, cobrou do governo redução das assimetrias regulatórias entre radiodifusão e OTTs e responsabilização das plataformas digitais por fakes news e discurso de ódio

Como exemplo da convivência assimétrica, a Abert  ressalta que as plataformas digitais se valem das agências de publicidade pagas apenas por remuneração atribuída ou destinada por veículos tradicionais de mídia que abrem mão de parcela dos seus preços na forma de um desconto de agência determinado por Lei e definido em autorregulação, apesar de eventualmente as agências também alocarem publicidade nas tais plataformas digitais, que se tornam assim subsidiadas.

A entidade ressalta que, atualmente, pouquíssimas plataformas dominam absoluta e globalmente diversas dimensões do mundo digital. “Não é por outro motivo que hoje vemos o esforço regulatório de diversas jurisdições para tratar do assunto”, diz.

A entidade comenta que algumas delas, mais adiantadas, já inauguraram legislações específicas, buscando defender os cidadãos daquilo que se convencionou chamar de “big techs”. Para a Abert, o foco de todas as regulações ex-ante que vêm surgindo está nos verdadeiros gigantes que, num contexto globalizado, têm há muitos anos dominado múltiplas e diversas jurisdições, causando efeitos deletérios sobre a liberdade de expressão, a liberdade de informação, o equilíbrio social e os regimes democráticos.

A Abert ainda relaciona expressões que foram surgindo, como as siglas “GAFAM” ou “FAGA”, que fazem referência às maiores empresas da atualidade: Google, Apple, Facebook, Amazon. “Nessa direção, talvez por sua clareza, qualificativos fortes ajudam certamente a perceber a dimensão do que está em jogo”, diz o documento.

Capitalismo insólito

“Em janeiro de 2020, uma informação correu o mundo, mas não chamou a atenção de quase ninguém: as empresas Apple, Amazon, Alphabet (dona da Google), Microsoft e Facebook tinham alcançado, juntas, o valor de mercado de cinco trilhões de dólares. Menos de seis meses depois, em junho do mesmo ano, a Apple sozinha valia 1,5 trilhão de dólares. Aí, sim, o tema ganhou destaque”.  De acordo com a contribuição da Abert, capitalismo chegava, então, a um cenário insólito. “Empresas jovens, com poucas décadas de existência, tinham alcançado um preço maior de que o PIB de qualquer país à exceção de China e Estados Unidos. E suas ações não paravam de crescer.”

Para a Abert, o fato é que não há uma definição convergente ou unânime para “plataformas digitais”, mas em um esforço conceitual é possível propor que, em termos de regulação, plataformas digitais sejam definidas como agentes econômicos atuantes na internet que conectam ou propiciam a interação entre dois ou mais grupos de usuários, pessoas físicas e/ou jurídicas, apropriando-se em tal processo de dados, insumo valioso, fundamental e estratégico, com efeitos de rede diretos e indiretos, além de se monetizar por meio da veiculação de publicidade, comissões, bonificações, dentre outras formas de remuneração e modelos de negócios, ainda que aplicáveis a apenas parcela dos usuários ou um dos lados da plataforma, com eventual disponibilização de produtos e serviços gratuitos a outros grupos de usuários.

Dessa forma. ” importa observar que a necessidade de regular a atuação de plataformas digitais decorre do fato inequívoco de que, dentre a grande variedade de plataformas digitais e seus modelos de negócio, algumas prestam serviços que se tornaram essenciais à sociedade e às atividades econômicas de diversos setores e ocupam uma posição dominante ou mesmo monopolista em seus respectivos segmentos.”

Sem neutralidade

Nesse ponto, é fundamental observar que, ainda que os mercados digitais sejam apontados como altamente dinâmicos, algumas plataformas atingiram posição consolidada dominante estável em suas operações, de forma que mesmo “novos” mercados relacionados à internet já nascem dependentes destas plataformas consolidadas. E completa a entidade:

“Note-se que, diferentemente de “praças públicas” (outra metáfora por vezes utilizada nos debates sobre as plataformas), as plataformas definitivamente já não são locais neutros a possibilitar uma interação livre entre seus frequentadores. As plataformas hoje interferem ativamente nestas interações, excluindo, impulsionando, recomendando conteúdos tendo como único objetivo o aumento do engajamento dos usuários e, consequentemente, a maximização dos seus lucros, sem contrabalançar ou considerar outros interesses sociais ou públicos – justamente porque lhes falta qualquer tipo de controle ou regulação. Daí a necessidade de uma regulação assimétrica voltada precipuamente a tais agentes”, defenceu.

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Wanise Ferreira

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