Prazos de entrega dobram com escassez de componentes de semicondutores no Brasil

A redução da produção de semicondutores da China por conta do novo coronavírus, bem como o aumento de tecnologia embarcada nos objetos, poderá prolongar a crise até 2023
Imagem: Cristian Ibarra, disponível no Pixabay

Os pedidos de componentes eletroeletrônicos da Standard America, indústria brasileira de placas eletrônicas, que antes demoravam 30 dias para chegar, agora dobraram ou, até mesmo, triplicaram seus prazos de entrega. Da mesma forma, produtos que antes custavam US$ 0,30, hoje variam entre US$ 0,55 e US$ 0,60.

A companhia não é a única que sofre os impactos do desabastecimento de semicondutores e seus componentes despertado pela pandemia. A crise de escassez se espalhou por todo o mundo, mas afeta duramente o Brasil pela sua dependência industrial em outros países.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores (Abisemi), Rogério Nunes, afirma que a crise pode, inclusive, retardar a implantação da 5G no Brasil. A quinta geração possui uma alta demanda de semicondutores para a instalação de antenas. “A tecnologia 5G vai precisar de sensores, receptores e transmissores de sinais instalados por cada quarteirão do Brasil”, comentou.

De acordo com a Sondagem Conjuntural de abril de 2021, produzida pela Associação Brasileira de Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), 69% das indústrias eletroeletrônicas relataram dificuldades em adquirir componentes e matéria-prima devido à falta no mercado. Isso representa um aumento de 3 pontos percentuais em relação a março.

A pesquisa indicou ainda que a grande maioria dos entrevistados, 58%, citou os produtos advindos da China em falta, um aumento de 14 pontos percentuais em relação à pesquisa anterior. Além disso, a quantidade empresas que perceberam uma pressão do custo dos componentes acima do normal subiu de 87%, em março, para 93% em abril.

Consequências para a produção

Com o intuito de se preservar da crise, a Standard America buscou coordenar uma ação com seus clientes. O CEO, Hidalgo Dal Colletto, afirmou que há seis ou oito meses atrás, a empresa redigiu uma carta informando aos clientes que a companhia já sentia a falta de certos componentes no mercado.

Assim, a empresa fechou uma maior quantidade de negócios e adquiriu em maior volume certos componentes. “Isso fez um bem muito legal para nós”, disse Dal Coletto. Renegociações com clientes foi uma solução procurada por 53% das empresas entrevistadas pela Sondagem Conjuntural de abril.

As provisões da Standard America devem durar pelos próximos seis meses. Outros componentes fundamentais para a produção de placas eletrônicas, como capacitores e resistores já estão faltando na companhia, que prevê uma quebra no faturamento de entre 5% e 8% em 2021.

Impacto na entrega

A Fuji do Brasil, que vende e faz a manutenção dos produtos da fabricante de máquinas japonesa Fuji, também está com atraso nas entregas para seus clientes. A empresa fez parte dos 40% que precisaram postergar suas remessas pela falta de componentes eletrônicos em abril, segundo os números da Abinee.

Domingos Tomyama, gerente geral e presidente da Fuji do Brasil, relatou que o prazo de entrega das máquinas costumava ficar entre seis e oito semanas. Porém, com a chegada da crise esse número dobrou, em parte devido à escassez de componentes de semicondutores na matriz do Japão. Ainda assim, nem as vendas nem o faturamento da empresa caíram, uma vez que a demanda pelas máquinas permaneceu alta.

Para Tomyana, a escassez não deve terminar tão cedo. Ele explica que a indústria de semicondutores, não é como a têxtil ou de álcool, que puderam, com certa facilidade, adaptar sua cadeia produtiva a fim de suprir as novas necessidades advindas do novo coronavírus. “Envolve infraestrutura de bilhões de dólares, de tecnologia que não é de fácil acesso. Com isso, você não consegue aumentar a capacidade de uma fábrica sem contar no mínimo três a cinco anos”, afirmou.

Antecedentes para a crise

Com o surgimento do novo coronavírus na Ásia, grande celeiro de componentes do mundo, as indústrias interromperam suas produções, deixando de abastecer as demandas por tecnologia cresciam mediante às restrições de mobilidade. Como um produto de semicondutores demora entre quatro e três meses para ser produzido, a quarentena na China ainda no início de 2020 afetou a cadeia produtiva a longo prazo.

Houve também o afastamento da Huawei do mercado de semicondutores por conta das sanções impostas pelos Estados Unidos, transferindo ainda mais demanda para outras companhias. No entanto, mesmo antes do surgimento da Covid-19, a procura pelos componentes já crescia por conta da inserção de maior tecnologia embarcada nos objetos. “Um automóvel, hoje, usa cerca de 300 semicondutores, mas isso está aumentando para 400, 500, 800 semicondutores por carro”, exemplifica Rogério Nunes.

O presidente da Abisemi aposta que em 2022 poderá haver uma melhora no abastecimento dos componentes, com a acomodação da demanda pela indústria. Mas a crise pode durar até 2023. “Eu entendo que esse processo aumento de consumo é contínuo e isso poderá perdurar mais tempo do que apenas o início 2022“, disse.

O desabastecimento desses materiais começou a ser sentido pelas empresas brasileiras em meados de 2020, quando a Sondagem da Abinee começou a ouvir um número maior de reclamações das empresas. Humberto Barbato, presidente da associação afirma que o mercado brasileiro presenciou a escassez de componentes mais tarde porque assim que a falta dos componentes começou a impactar alguns setores, o novo coronavírus chegou ao país, trazendo a redução das vendas.

Mesmo com o crescimento do setor de dispositivos e tecnologias da informação, outros permaneceram paralisados, como o automotivo. Com o retorno dos estímulos econômicos na metade de 2020, esses setores voltaram a produzir, gerando maior demanda pelos componentes. “A escassez começa a se generalizar, porque todo mundo esta voltando sua atividade normal”, explicou.

Dependência da China

Por não deter a cadeia produtiva completa, o Brasil tem grande dependência dos insumos advindos da China. As indústrias de semicondutores brasileiras não dominam alguns processos de difusão (foundry).

Ainda que a globalização torne mais vulneráveis a crises todos os países, Humberto Barbato opina que o Brasil tende a sofrer mais com isso devido à sua baixa industrialização e a um ambiente ruim para negócios. “A crise do semicondutores é um termômetro claro mostrando o seguinte: veja o quanto ser tão globalizado dá  vulnerabilidade”, defendeu.

A Standard America, por exemplo, conta com 930 fornecedores, todos eles da Ásia. Já o presidente da Fuji do Brasil, Domingos Tomyana, destacou que por ser uma nanotecnologia de altos investimentos, em um mercado bastante concentrado torna difícil buscar alternativas.

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Ramana Rech

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