Regulação Responsiva vai depender do comportamento dos regulados, diz Anatel

Igor Moreira, superintendente de Fiscalização, avalia que a aplicação de multas não reduz o número de reclamações e aumenta a judicialização com o pagamento de apenas 10% do valor das sanções. Mas entende que as multas serão preservadas e devem ser temidas.
Igor Moreira, superintendente de Fiscalização da Anatel (Foto: Assessoria de Comunicação da Anatel)

Até o final deste ano, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) deverá aprovar o Regulamento de Fiscalização Regulatória. Trará como novidade princípios de Regulação Responsiva, com possibilidade de troca de punições por estímulos, como a substituição de multas por compromissos de cobertura dos serviços de telecomunicações. Mas nada disso surtirá efeito sem mudança no comportamento das empresas de cumprirem os entendimentos e evitar atitudes capazes de gerar sanções. Uma reviravolta cultural que deve incluir também a administração pública. É o cenário traçado pelo superintendente de Fiscalização da agência reguladora, Igor Moreira, em entrevista ao Tele.Síntese.

“O que vamos fazer para que não aconteça de novo?”, questiona o executivo, emendando com a resposta: “Uma das ideias originais da chamada pirâmide regulatória é que o comportamento dos regulados é que vai determinar a resposta adotada pelos reguladores”. Por isso, entende que a necessidade de mudança cultural nas empresas também é benéfica para o governo por evitar a judicialização das sanções.  Afinal, destacou, em 2019 foram constituídas R$ 448 milhões em multas e arrecadados somente 10% desse valor, cerca de R$ 45 milhões.

Moreira defendeu um equilíbrio entre o interesse dos regulados, do governo e da sociedade. “A questão arrecadatória, que não é o viés da instituição, faz com que a administração gaste esforço e não necessariamente consiga resolver o problema, daí essa reflexão e mudança de postura”, argumentou. Com a Regulação Responsiva, “o foco sai da sanção e passa para a mitigação dos ofensores”, acrescentou.

A proposta de Regimento está sob análise da Procuradoria Especializada da Advocacia-Geral da União junto à Anatel e deve ser aprovado até final deste ano, conforme prevê a Agenda Regulatória da Agência. Mas, se entrar em vigor, a Regulação Responsiva não irá decretar o fim das multas. Ao contrário, segundo o executivo, a multa é uma sanção que deve ser muito temida. “A discussão é resolver o problema em definitivo. É a não a vulgarização das multas”, avaliou.

Tele.Síntese: Como anda a questão da regulação responsiva?
Igor Moreira: Regulação Responsiva é algo muito lato sensu [sentido amplo]. A Agência é dividida em áreas, e hoje  estou responsável pela Fiscalização. O Regulamento de Fiscalização Regulatória, que, na verdade, não é só sobre a fiscalização stricto sensu [sentido restrito], mas quebra essa barreira de mudança de postura da Agência partindo do comando e controle para trazer a figura da responsividade.

A gente trabalha em um setor muito dinâmico. As próprias empresas de telecomunicação estão constantemente refletindo sobre o mercado, suas redes, novas tecnologias, novos planos, ampliação de infraestrutura e redução de custos. E conosco não é diferente. As pessoas tendem a acreditar que no poder público não existe inovação ou modernização. A média de idade dos servidores da agência é baixa, e temos incorporado esse espírito de refletir sobre a nossa atuação.

Tele.Síntese: Como a fiscalização da Anatel tem se preparado para a Regulação Responsiva?
Moreira:
 Quando a gente firmou esse projeto, foi celebrado um termo de execução descentralizada com a UnB [Universidade de Brasília], que visa realizar estudos e pesquisa para a inovação sobre a regulação apoiada em incentivos. A Universidade tem uma equipe de professores e doutores de economia, direito e engenharia que trabalham com alunos da pós-graduação para produzir 14 produtos ou metas sobre o tema. A maioria da literatura que existe é estrangeira, e também por ser um tema novo sobre o ponto de vista da ciência, deve ter só uns 20 anos, bem diferente de outras áreas que tem teorias de 300, 500 anos.

A ideia é desenvolver uma teoria nacional voltada para as telecomunicações.  Semana passada tivemos a entrega sobre a metodologia de compensações. E o que é isso? Você já deve ter visto na sua fatura de energia elétrica que, quando a distribuidora não atinge determinados indicadores, eles fazem o reembolso, um valor mínimo, mas está lá. Essa é só uma das vertentes dentro da teoria da responsividade, que seria a compensação automática dos usuários. Pode vir a acontecer com contas de celular, não é uma discussão nova, que precisa ser incorporada, se for o caso, a nosso arcabouço normativo vigente. Na área da fiscalização, como resultado desses produtos entregues pela UnB, estamos estudando como tornar os procedimentos de fiscalização, os manuais, mais aderentes a esses preceitos responsivos.

Tele.Síntese: Quais seriam as principais mudanças em relação ao que se tem hoje?
Moreira:
 Nossos processos de fiscalização e controle devem ser modernizados para que se tornem mais efetivos e, com a responsividade, o foco sai da sanção e passa para a mitigação dos ofensores, ou seja, a gente prioriza que essas ações tragam maiores benefícios para os consumidores, entes regulatórios e sociedade em geral, mas para o governo também.

Tele.Síntese: Na prática o que deve acontecer de mudança?
Moreira:
 Na prática, a Agência já realizou alguns pilotos, e busca uma melhor interação com os regulados para a busca da implementação de melhorias. Só vamos mitigar os ofensores que estão acometendo irregularidades se implementarmos melhorias nos processos. Por exemplo, estamos com um projeto de um plano de ação de fiscalização responsiva na área de radiodifusão. Custa caro. Recebemos uma denúncia, muitas vezes anônima pelo site e sem as informações mínimas para sua admissibilidade, com uma grande probabilidade de uma fiscalização em campo ser frustrada.

O primeiro passo é padronizar toda a análise de denúncias recebidas nacionalmente. Cumpridos os requisitos de admissibilidade, outrora o fiscal já iria para a investigação em campo, mas isso tem custo. Agora, estamos inserindo o máximo de análise remota preliminar. Estamos falando dos outorgados que por vezes comentem pequenas irregularidades e chega a denúncia muitas vezes feita pelo concorrente.

Antigamente o fiscal precisava ir lá no equipamento plugar o notebook, e iria avaliar os dados daquela denúncia, naquele momento específico. Hoje temos uma base nacional de dados, coletados 24 horas.  E aí entra a questão da responsividade. Se houver uma viabilidade jurídica, nós poderíamos notificar os operadores outorgados sobre determinada denúncia que talvez chegue. Essa proposta de notificação prévia está sob análise da nossa Procuradoria.

Tele.Síntese: As denúncias envolvem também a área de telecomunicações, como sobre reforçadores e repetidores implantados em áreas sem sinal?
Moreira:
 Normalmente são reclamações. Na área de telecomunicações, nesse caso específico dos repetidores, temos um plano aprovado pelo Conselho Diretor em andamento. Divulgamos há um mês um procedimento de fiscalização novo sobre repetidores de sinal. Mas o problema é que eles usam uma frequência cuja outorga é detida pela prestadora. Mas a Agência não é insensível. Prova disso são os constantes esforços para o aumento da cobertura em regiões mais carentes de modo que não se precise usar esses reforçadores.

Tele.Síntese: Quais são os riscos da Regulação Responsiva?
Moreira:
A ideia da Regulação Responsiva é oferecer um desenho regulatório flexível e adaptativo, que faça aquele meio de campo entre punição e persuasão. A responsiva quer mitigar o problema. O que vamos fazer para que não aconteça de novo? Uma das ideias originais da chamada pirâmide regulatória é que o comportamento dos regulados é que vai determinar a resposta adotada pelos reguladores.

O risco principal é a questão do aculturamento. A gente tem que mudar o regulatório. Isso deve ser traduzido em  mudança da postura, capacitando constantemente os fiscais, trazendo ideias novas. Ver e multar não é o resultado que a sociedade deseja, porque não tem reduzido a quantidade de reclamações que chegam todos os meses. A gente busca resolver o problema em definitivo. É a não vulgarização das multas. Mas a multa continua, sim, existindo e vai ser um tiro muito forte. É uma sanção que deve ser muito temida.

Tele.Síntese: Qual é a variação das multas aplicadas pela Anatel?
Moreira:
 O teto de multas é de R$ 50 milhões. Principalmente em radiodifusão, tem multas de 800, 600, 1.500 reais, mas pesa dependendo do poder econômico do outorgado. Mas comparado ao custo administrativo, equipamento, funcionário, carro, treinamento, é um valor alto, que variava entre R$ 40  mil e  R$ 70 mil.  Esse custo tem que ser sopesado também.

Tele.Síntese: Com a perspectiva de ser aprovada a Regulação Responsiva, até se chegar ao estágio das multas haverá mais conversação?
Moreira:
Até chegarmos às multas, teremos outros mecanismos regulatórios que visam resolver o problema, como a compensação automática. Todos os nossos regulamentos estabelecem obrigações ou sanções. Na prática, esse paradigma da mudança de postura vai ser quebrado com a publicação deste que poderá vir a ser o novo Regulamento de Fiscalização Regulatória.

Tele.Síntese: Há a expectativa de que se torne mais eficiente a forma de fiscalização?
Moreira:
Com certeza. Ao longo destes 20 anos de existência da Agência, como a regra era só a questão da multa, as empresas contrataram várias bancas de advogados e fizeram do seu dia a dia muito uso da questão recursal tanto na esfera administrativa quanto judicial, tentando reduzir o valor das multas,  questionando as metodologias aplicadas, as provas coletadas e obviamente protelando o pagamento dessas multas. Isso tem um custo alto para as empresas e para os cidadãos. Por isso, estamos tentando mudar essa cultura. Temos que  ter um equilíbrio, o tripé entre interesse dos regulados, do governo e da sociedade.

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Abnor Gondim

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