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Entrevistas

Juiz Fernando Viana: Ativos da Oi podem ser vendidos

Fernando Viana, titular da 7ª Vara Empresarial do TJ-RJ, aponta que resultados do Plano de Recuperação Judicial da Oi foram “extremamente positivos” com a amortização da dívida de R$ 65 bi e 50 mil acordos; nada impede a venda da Oi Móvel, avalia, e espera a "razoabilidade" das partes no processo para chegarem a um acordo quanto ao aditamento
Juiz Fernando Viana, titular da 7ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro / Foto: Bruno Dantas

O processo de recuperação judicial da operadora Oi apresenta resultados “extremamente positivos”, mas, impactada pela pandemia, a empresa agora enfrenta o desafio de rever acordos e obrigações contratuais através de aditamento ao plano, afirmou o juiz Fernando Viana, titular da 7ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em entrevista ao Tele.Síntese. 

“A crise mundial da pandemia do Covid-19 afetou fortemente a economia global, de forma que todos os direitos e obrigações contratuais terão que ser reavaliados”, destacou, referindo-se ao aditamento apresentado pela empresa em junho passado. “Os impactos ocasionados pela pandemia foram apresentados pelas recuperandas e já foram inclusive objeto de decisão do Juízo acerca do corte do fornecimento de serviço [das contas de clientes inadimplentes]”.

O magistrado observa que, em um universo de 55 mil credores, houve contestações ao aditamento apenas por parte dos principais bancos credores (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Itaú). Destacou ainda que o processo transcorre de forma eficiente, mesmo diante da elevada demanda.

“Desde o início, incentivou-se  o uso da mediação, tanto presencial como virtual, e os mais de 50 mil acordos já celebrados provam que a mediação em recuperações empresariais é uma realidade e um sucesso. Por ora, CEF, BB e Itaú se manifestaram de forma desfavorável ao aditamento ao PRJ [Plano de Recuperação Judicial]”, pontuou. 

A seu ver, não há questão judicial que impeça a venda de um dos principais ativos do grupo, a Oi Móvel, a ser decidida em assembleia geral dos credores. O prazo para contestações dos credores ao aditamento termina também em agosto.

Viana está de licença médica e retornará ao posto após esse período. A conversa com o juiz foi realizada por e-mail, em uma troca de mensagens intermediadas por seu advogado, Ary Bergher. Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

Tele.Síntese: O senhor poderá voltar ao cargo de titular da 7ª Vara Empresarial e, se isso ocorrer, poderá reassumir a condução do processo de recuperação judicial da Oi?
Fernando Viana: Eu sou Juiz Titular da 7ª Vara Empresarial e, ao final da licença médica, reassumirei normalmente a condução de todos os processos da Vara, inclusive o processo de recuperação judicial da Oi.

Tele.Síntese: Desde quando o senhor deixou de atuar no processo? E a sua ausência teve quais efeitos sobre o andamento da ação?
Viana: Não atuei nos meus processos nas minhas férias de março e durante a licença médica em junho. Apenas nesse período. Na minha ausência todos os processos da 7ª Vara Empresarial foram despachados pela juíza substituta.

Tele.Síntese: Como o senhor está acompanhando as negociações sobre a venda da Oi Móvel, com manifestações de interesse de três grupos: Claro, Vivo e Tim; Highline; e Algar?
Viana: O juiz de uma recuperação judicial não tem poder para decidir essas negociações, pois a lei atribui aos credores da empresa deliberarem tudo em assembleia própria. Mas, para facilitar as negociações, a Justiça pode nomear um mediador, o que de fato ocorreu no processo da Oi.

Tele.Síntese: Como os recursos auferidos serão divididos e como vão chegar aos credores?
Viana: A Justiça não tem nenhum poder sobre essas questões. Tudo é decidido em Assembleia pelos credores. Após a AGC, cabe à Justiça homologar ou não o que foi decidido pelos credores. Mas é uma decisão que se limita a critérios legais, e não à análise econômico-financeira do que foi decidido pelos credores.

Tele.Síntese: Haveria alguma coisa na área judicial que poderia impedir a venda dos ativos da Oi?
Viana: Não.

Tele.Síntese: Que resultados positivos da RJ o senhor poderia apontar?
Viana: Algo muito positivo é ver esse processo de recuperação, que tem mais de 450 mil folhas e 40 mil impugnações de crédito e mais de 55 mil credores, ser processado de forma tão eficiente, o que se deve ao trabalho incansável dos funcionários do gabinete e do cartório da 7ª Vara Empresarial e do administrador judicial.

[quote cite=’Juiz Fernando Viana’ align=’left’]Desde o início incentivou-se o uso da mediação, tanto presencial como virtual, e os mais de 50 mil acordos já celebrados provam que a mediação em recuperações empresariais é uma realidade e um sucesso.  [/quote]

Outro aspecto positivo deste processo é assistir o sucesso das mediações. Desde o início incentivou-se o uso da mediação, tanto presencial como virtual, e os mais de 50 mil acordos já celebrados provam que a mediação em recuperações empresariais é uma realidade e um sucesso.  Por ora, apenas CEF, BB e Itaú se manifestaram de forma desfavorável ao aditamento ao PRJ. 

Tele.Síntese: Quais impactos da pandemia o senhor apontaria que afetaram a RJ da Oi? A Oi afirma que mudanças são necessárias, “apesar do bom andamento” das medidas previstas no plano original. Por conta da Covid-19, diz a empresa, também há o aumento da inadimplência “causado pelo crescimento dos níveis de desemprego, pela redução da capacidade econômica e da renda de grande parte da população brasileira”.
Viana: Os impactos ocasionados pela pandemia foram apresentados pelas recuperandas e já foram inclusive objeto de decisão do Juízo acerca do corte do fornecimento de serviço. Em relação ao corte do fornecimento de serviços de telefonia em razão da pandemia, já há decisão nos autos dispondo a respeito.

[quote cite=’Juiz Fernando Viana’ align=’right’]Os impactos ocasionados pela pandemia foram apresentados pelas recuperandas e já foram inclusive objeto de decisão do Juízo acerca do corte do fornecimento de serviço.[/quote]

Tele.Síntese: Agora, a empresa apresenta um aditamento ao plano de recuperação. O que não deu certo? Se deu, considera normal alterá-lo?
Viana: Ao apresentar o plano aditivo, a Oi esclareceu pontualmente os motivos que o justificasse. Mas cabem aos credores analisarem se trata-se de um novo plano ou de um aditivo ao plano, bem como deliberarem sua aprovação ou não.

Tele.Síntese: Quais são os princípios que, na sua opinião, devem nortear esse acordo?
Viana: São milhares de credores com interesses distintos. Sem razoabilidade, não se chegará a nenhum acordo.

Tele.Síntese: Como o senhor está avaliando a proposta da venda da Oi móvel e da separação das empresas? É possível viabilizar a nova Oi sem esses ativos?
Viana: Não cabe à Justiça esse tipo de análise. A análise compete, por lei, aos credores reunidos em assembleia, e à própria Anatel.

Tele.Síntese: Há muita disputa entre os investidores, a exemplo de bancos e fundos. Qual a sua expectativa para a solução?
Viana: A Justiça nomeou um mediador para esse complexo conflito, e confia que a mediação trará excelentes resultados ao processo. 

Tele.Síntese: Sob a ótica da concessão da telefonia fixa, o sr. acha que o plano consegue preservá-la? Quais são os cuidados que se deve ter?
Viana: Não se trata de uma questão jurídica. Trata-se de questão afeta ao órgão regulador.

Tele.Síntese:  A Oi tem informado que a assembleia de acionistas para aprovar o plano está marcada para agosto. O sr. acha factível até lá? Se não, é possível adiá-la. Da última vez, a assembleia foi adiada pelo menos três vezes.
Viana:  A expectativa é realizar a AGC até o final de agosto. O adiamento dela é excepcionalíssimo e somente com contundente justificativa.

Tele.Síntese: Com a aprovação de um novo plano, encerra-se a recuperação judicial?
Viana: Após a aprovação do plano, persiste o período de supervisão judicial.

Tele.Síntese:  Quais são os novos desafios que precisam ser enfrentados?
Viana: O desafio é a necessidade de compreensão de que: i) em uma recuperação judicial o interesse coletivo se sobrepõe ao interesse individual; ii) ao final do desgastante processo de recuperação a empresa devedora terá seu porte diminuído, mas com a vantagem de se tornar financeiramente mais sólida; e iii) a crise mundial da pandemia do covid-19 afetou fortemente a economia global, de forma que todos os direitos e obrigações contratuais terão que ser reavaliados.

Tele.Síntese: O que significa a reavaliação de todos os direitos e obrigações contratuais?
Viana: Me refiro aos novos direitos e obrigações previstos no aditamento, que serão objeto de reavaliação.

Tele.Síntese: As recentes notícias levantadas de que o senhor teria abandonado o cargo teriam algum peso na sua decisão sobre o caso? E as acusações de venda de sentença são alvo de ações por parte do senhor por crimes contra a sua honra?
Viana: Eu apenas tirei férias e licença médica. Direitos básicos de qualquer trabalhador. É infundada a alegação de abandono de cargo. E nunca houve acusação de venda de sentença. Quem fez essa afirmação será notificado para esclarecer de onde extraiu essa ilação.

[quote cite=’Juiz Fernando Viana’ align=’right’]Ser o Juiz desse caso é uma tarefa árdua e penosa para um magistrado, que muitas das vezes, ao aplicar a lei com rigor, acaba contrariando poderosos interesses econômicos, e por isso fica sujeito a críticas. Tais críticas jamais me intimidarão, pois um servidor público não deve temer aqueles que estão à margem da lei.[/quote]

Tele.Síntese: Magistrado, sinta-se a vontade para fazer manifestações que achar relevantes sobre o processo da Oi e mesmo sobre a legislação de recuperação judicial das empresas em tempos de pandemia?
Viana: O processo de recuperação judicial do Grupo Oi é um dos maiores e mais complexos processos do mundo. Ser o Juiz desse caso é uma tarefa árdua e penosa para um magistrado, que muitas das vezes, ao aplicar a lei com rigor, acaba contrariando poderosos interesses econômicos, e por isso fica sujeito a críticas. Tais críticas jamais me intimidarão, pois um servidor público não deve temer aqueles que estão à margem da lei. 

Não me compete fazer análise do trabalho que desenvolvi no processo da Oi, mas cumpre lembrar que em 2016 recebi da Academia Brasileira de Honrarias ao Mérito, o prêmio Troféu JK como personalidade jurídica do ano, além de ser premiado por menção honrosa a juiz individual pelo Conselho Nacional de Justiça em 2018 pela minha atuação no processo de recuperação judicial da Oi. Em relação à segunda pergunta, trata-se de tema extenso e complexo, que merece um ambiente amplo para debates acadêmicos.

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