Recuo da Anatel na banda larga fixa não diminui pressão para agência deixar de regular a questão

E a Anatel recuou. Na sexta-feira, o conselho diretor comunica que decidiu, em circuito deliberativo, publicar nova cautelar por tempo indeterminado, proibindo que as empresas tomem qualquer atitude no sentido de cortar ou reduzir a velocidade da internet após o término da franquia, seja em contratos antigos, novos ou futuros. João Rezende ficou completamente isolado. Mesmo as operadoras, que deveriam ser as primeiras a explicar o que estava acontecendo, caladas ficaram e vão permanecer assim.

shutterstock_ Iaroslav Neliubov_Congresso_Nacional_Politica_Regulacao_Anatel_xadrez1Um período de emoções fortes também nas telecomunicações, e não apenas no cenário político nacional. Desde a semana passada, depois de a Anatel adotar uma medida cautelar que fazia  exigências de transparência  sobre os pacotes de banda larga fixa a serem oferecidos aos usuários, essa iniciativa acabou sendo suplantada pelas declarações do presidente João Rezende na entrevista coletiva, que decretou o fim da “internet ilimitada”,  e responsabilizou  as empresas e os usuários brasileiros por jogarem muitos games, por essa, digamos, irresponsabilidade consumerista. E o mundo veio abaixo.

Não apenas os órgãos de defesa dos consumidores contestaram suas declarações, nem apenas os heavy users, nem (quase) todos os internautas. A Presidente da República, o Ministro das Comunicações, os líderes da oposição, da situação, dos contra o golpe, dos a favor do impeachment,  o senador do PMDB, o deputado do PSDB, a OAB,  diferentes comentaristas, jornalistas dos mais diferentes veículos. Ataques ao site da Anatel com intensidade jamais vista, tirando o portal da agência do ar por várias horas. Memes de João Rezende nas redes sociais. Campanhas pelo impeachment de Rezende. Um milhão de assinaturas recolhidas em dois dias pela internet ilimitada.

E a Anatel recuou. Na sexta-feira, o conselho diretor comunica que decidiu, em circuito deliberativo, publicar nova cautelar por tempo indeterminado, proibindo que as empresas tomem qualquer atitude no sentido de cortar ou reduzir a velocidade da internet após o término da franquia, seja em  contratos antigos, novos ou futuros. João Rezende ficou completamente isolado. Mesmo as operadoras, que deveriam ser as primeiras a explicar o que estava acontecendo, caladas ficaram e vão permanecer assim. Também não se entendem. Algumas estavam furiosas com todo o ocorrido. Afinal, decretar o “fim da internet ilimitada” seria entrar em uma seara que não é muito o papel do Estado. A oferta de banda larga continua a ser um serviço privado, lembram as empresas, e, se vai ter ou não franquia, limite de consumo, ou consumo ilimitado, deve ser uma decisão empresarial.

Ficou claro com essa celeuma que, para a sociedade , para o governo  e para o ministro André Figueiredo, a banda larga é mais do que um serviço privado, é um direito, e terá que ter salvaguardas, a serem estabelecidas na nova modelagem regulatória. Com a repercussão política que gerou, ficou claro também que este é um tema sensível demais para ser tratado apenas como uma questão setorial, e passa a ser encarado como um direito universal. Na mesma sexta feira, a Procuradoria do Distrito Federal foi a Anatel e saiu de lá afirmando que iria instaurar inquérito civil para apurar a legalidade da resolução da Anatel. 

Um dos pontos questionados pelo MPF foi a medida cautelar emitida pela Anatel para proibir empresas de limitar o acesso de usuários da banda larga fixa sem aviso prévio e sem oferecer ferramentas que permitam acompanhar o consumo de dados. Para a 3ª CCR, há indícios de que a agência tenha adotado posicionamento favorável às empresas, sem a segurança de que o consumidor será beneficiado.

Para José Elares Teixeira, a medida cautelar tem efeitos limitados, já que endossa a proposta das empresas telefônicas e não proíbe a venda por franquia. “A medida tem por finalidade, única e exclusivamente, fornecer informações aos consumidores. Nada mais”, reforça Elaeres.

E é por isso que entidades como a Proteste, por exemplo, já não querem mais apenas continuar na mobilização pelo fim da franquia. Em sua nota de hoje, 25, a entidade explicita a posição de que ”  a Anatel sequer tem competência para tratar da questão. Por ser classificada como serviço de valor adicionado, diferente de telecomunicações, a internet fica fora das atribuições da Agência.  “Esse episódio de tentativa de limite à internet fixa comprova o poder econômico das operadoras que preferem a Anatel regulando a internet, pois neste ambiente têm mais controle sobre o processo regulatório”, destaca Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da entidade. Para a Proteste, o Marco Civil da Internet estabelece que a governança se dará por mecanismos multiparticipativos.

A questão, contudo, é que banda larga é serviço de telecomunicações, conforme estabelece a Lei Geral de Telecomunicações. E todas as redes e serviços de telecomunicações são reguladas pela Anatel. Antes do recuo de sexta-feira, dia 22, da Anatel, o Ministério das Comunicações tinha anunciado que estava negociando com as operadoras a elaboração de uma carta-compromisso sobre os princípios das ofertas dos planos de banda larga, mas agora, conforme fontes do Minicom, estão avaliando quais os próximos passos.

Mandato

O mandato de João Rezende no conselho só termina em novembro do próximo ano, como presidente, porém, ele está indicado para até  novembro deste ano. Diferentes interlocutores já ouviram a sua intenção de querer antecipar a saída. O que seria uma pena ele deixar com essa última marca, tendo em vista que fez muito em prol do consumidor. Foi sob sua gestão que o mercado de TV por assinatura foi aberto à competição, que se resolveu antigas pendências competitivas com a implementação do Plano Geral de Metas de Competição, e que foi feita sensível redução nas tarifas do celular, com o corte da tarifa de interconexão, e na telefonia fixa, com quedas reais na assinatura básica.

correção em 26/04 – O mandato de João Rezende termina em 2018, em 2017 é o de Igor de Freitas que se encerra. 

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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