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Regulação

Sem consenso sobre ‘dever de cessão’, Aneel adia decisão sobre postes

Agnes da Costa sugeriu alterar a redação da proposta aprovada na Anatel e recebeu o apoio de dois diretores. Fernando Luiz Mosna pediu vistas para que divergência seja formulada.
Reunião deliberativa da Aneel sobre postes termina com pedido de vistas.
Votação da Aneel sobre resolução conjunta para compartilhamento de postes é interrompida por pedido de vistas. | Foto: Reprodução/Aneel

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) adiou a votação da proposta de resolução conjunta sobre compartilhamento de infraestrutura entre as distribuidoras, operadoras de telecomunicações e provedores de internet. Três dos cinco diretores são contra obrigar as concessionárias de energia a ceder o direito de exploração comercial.

O trecho sem consenso consta no artigo 3º da proposta, o qual prevê que “a distribuidora de energia elétrica deverá ceder o direito de exploração comercial de Espaços em Infraestrutura, sempre que houver interessados”. O dispositivo diz ainda que a não realização do chamamento público ou a ausência de interessados não impede a distribuidora da cessão.

A divergência foi aberta pela diretora Agnes Maria de Aragão da Costa, que defende substituir o verbo “cederá” por “poderá”. O diretor Fernando Luiz Mosna anunciou que apoia a mudança e pediu vistas. Além dele, Ricardo Lavorato Tili também entende que a alteração é necessária.

Já o relator, Hélvio Guerra, se negou a alterar seu parecer, que aprovou exatamente o mesmo texto que teve o aval da Anatel nesta tarde.

A diretora divergente defende também alterações nos artigos 5º e 32º, que tratam da competência da Anatel e Aneel na seleção dos interessados na cessão do direito de exploração.

Entenda a proposta divergente

Em síntese, Costa propõe alterar três artigos, acatando posicionamento da Procuradoria da Aneel. São eles:

  • Artigo 3º: O dever de cessão

“Eu acho que a gente poderia colocar no artigo 3º, ao invés de ‘deverá’, o ‘poderá’. Então, ficaria: a distribuidora de energia elétrica poderá ceder o direito de exploração comercial de espaço de infraestrutura”, explicou a diretora na sessão.

No mesmo dispositivo, Costa sugere excluir o § 5º,  que prevê contratos com, no mínimo, 10 anos, podendo ser prorrogados.

  • Artigo 5º: Determinação conjunta da Aneel e Anatel sobre a cessão

No artigo 5º, a diretora defende que o texto seja de que a Anatel e a Aneel poderão determinar de forma conjunta a cessão do direito de exploração comercial de Espaços de Infraestrutura – conforme o texto aprovado pela Anatel – mas desde que “quando motivadas pelo interesse público e após processo administrativo que evidenciar práticas não competitivas ou ineficiência do serviço prestado pela distribuidora”.

  • Artigo 32: Chamamento público

A proposta conjunta prevê, no artigo 32, que “a Anatel e a Aneel realizarão chamamento público para identificar e selecionar interessados na cessão do direito de exploração comercial de Espaços de Infraestrutura”. A proposta de Costa é incluir expressamente que tal chamamento ocorrerá “segundo as diretrizes estabelecidas pela Anatel e pela Aneel”.

“Seriam nos casos concretos em que a gente vê que a distribuidora não está prestando um serviço adequado ou que, de fato, está impedindo a competição por essa atividade é que a Anatel e a Aneel , motivadamente, podem estabelecer que a distribuidora realize esse chamamento público, estabelecendo as diretrizes para tanto”.

Discussão

O dever de cessão foi o principal ponto de crítica das distribuidoras de energia durante a deliberação do tema. A sessão recebeu duas manifestações de distribuidoras. Em uma delas, o gerente de Regulação Técnico Comercial da Neoenergia Brasília, Fábio Lira Machado, defendeu a adoção do verbo “poderá” e que a vigência contratual seja definida em livre negociação.

“É como se você fosse o proprietário de um imóvel e fosse obrigado a alugar um quarto, mas sem dizer quem pode entrar nesse quarto e o que ele pode ou não pode fazer. Esse é o entendimento filosófico da minuta”, criticou o representante da Neoenergia.

No mesmo sentido, Ricardo Brandão, representante da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica, criticou a falta de acesso das concessionárias à íntegra da proposta. ” Os artigos 5º e 32 se quer existiam [na consulta pública]. E o artigo 3º, era o oposto do que foi colocado aqui”, disse.

O relator da proposta de resolução conjunta para o compartilhamento de postes, relator Hélvio Guerra, por sua vez, rebateu as críticas. “Quanto à interessante a analogia com alugar um quarto em uma casa, convenhamos que se eu alugo um quarto e eu tenho lá uma ocupação tão desordenada quanto essa [dos postes], nós temos que intervir, tem que tirar aquele ocupante de lá”, disse.

Guerra fez uma exposição de fotos de postes desordenados e explicou que as imagens justificam a obrigatoriedade da cessão. “Nós devemos, sim, colocar o ‘deve ceder’ porque as distribuidoras não são capazes de resolver isso”, ressaltou o relator.

Foto: Divulgação/Hélvio Guerra
Hélvio Guerra, relator da resolução conjunta de compartilhamento de postes na Aneel, registrou foto de ocupação desordenada em São Paulo | Foto: Divulgação/Hélvio Guerra

O procurador Eduardo Ramalho destacou que a cessão compulsória é “o ponto mais sensível” da resolução conjunta. “Esse direito [de exploração], originalmente, é da distribuidora.  E sendo um direito originalmente da distribuidora, cabe a ela fazer esse gerenciamento. Agora, uma vez que a distribuidora tem essa liberdade de gestão, esse também não é um valor absoluto, porque o contrato diz que essa liberdade pode ser limitada por prescrição legal, prescrição do poder concedente ou da Aneel”, disse.

“O que nós temos que avaliar sempre é: dado que a regra é a liberdade da distribuidora de gerir um negócio, se é necessário uma intervenção regulatória pra gente restringir essa liberdade”, disse o procurador.

‘Improviso’

O autor do pedido de vistas, Fernando Luiz Mosna, entende que “é possível tentar explorar um caminho intermediário”. “Nós já tivemos a oportunidade de ter uma consulta pública aberta, há anos, e nesse momento nos estamos fechando.  E se for para fechar em improviso, é melhor não fechar nesse momento”, defendeu Mosna.

O diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, embora não tenha anunciado expressamente sua posição, manifestou “preocupação” com a relação entre a proposta apresentada e as contribuições da consulta pública. “De 848 contribuições, apenas seis foram aceitas. E aqui nós estamos trazendo pelo menos duas novas perspectivas [artigo 5º e 32] que não estavam na consulta pública e de alguma forma me traz uma preocupação”, disse Feitosa.

Prazo para reanálise

De acordo com o regimento da Aneel, o diretor que pede vistas deve liberar o processo para a pauta até a oitava reunião ordinária subsequente, podendo solicitar a prorrogação de prazo adicional, cabendo à Diretoria Colegiada decidir a respeito.

Ainda de acordo com a norma, caso não seja incluído em pauta, o processo será automaticamente inscrito na pauta da nona reunião ordinária subsequente ao pedido de vista.

Ao longo da discussão sobre o compartilhamento de postes, a Anatel reforçou que a resolução dos postes, por ser conjunta, só será adotada com o aval de ambas diretorias.

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