IBGE notifica as operadoras, que já separam os dados para a transferência

Para setor, medida provisória trouxe mais insegurança jurídica do que facilitou a interação com o IBGE. Roberto Olinto, ex-presidente do IBGE, critica falta de transparência e cobra apresentação da metodologia da PNAD-Covid.

O IBGE enviou às operadoras no dia 22 os pedidos de repasse dos dados de 226,6 milhões de clientes de telefonia móvel e 32,8 milhões de telefonia fixa. Na carta, endereçada aos presidentes das companhias, o órgão de estatística reafirma querer nomes, números de telefone e endereços dos consumidores. A notificação afirma ainda que os dados serão usados para a realização do módulo Covid da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD). Especificação que não aparece na Medida Provisória 954/20, que determinou o repasse, nem na Instrução Normativa nº 2, publicada na quarta-feira, 22, pelo IBGE. Diz o instituto que a PNAD-Covid será feita por meio de entrevistas telefônicas e consistirá em um estudo de “painel longitudinal representativo da população brasileira”. Ou seja, os mesmos indivíduos serão entrevistados ao longo de três meses, semanalmente. O objetivo é levantar novos casos de “síndrome gripal” no Brasil, nas Regiões do Brasil e nos estados. “Tendo em vista a urgência do assunto, solicitamos a transmissão imediata dos dados em questão, no formato e nos veículos de compartilhamento que forem mais convenientes a essa empresa”, determina a notificação. O IBGE propões, como na Instrução Normativa nº 2, o uso alternativo de um “database dump” com “password”, usando o drive do instituto para upload. Também dá como alternativa a entrega pessoalmente de um HD, ou transmissão por nuvem. Por fim, o ofício assinado pela presidente do IBGE, Susana Guerra, afirma que os dados repassados “terão caráter sigiloso, serão usados exclusivamente para fins estatísticos” e não poderão ser usados como prova em processos administrativos, fiscais ou judiciais.

Operadoras à espera de definição

As operadoras, apurou o Tele.Síntese, já começaram a extrair os dados de suas bases para enviar o IBGE. Mas ainda aguardam desdobramentos da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) movida pela OAB, à espera do julgamento da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal. Para as empresas, a decisão do governo em editar a MP trouxe mais questionamentos do que segurança jurídica, afirmou uma fonte. Em especial porque a MP não trouxe detalhes sobre a responsabilidade civil e criminal em caso de vazamento das informações, nem trata do nível de segurança. A IN nº 2 seguiu pelo mesmo caminho, e também não acrescentou qualquer detalhe capaz de deixar os departamentos jurídicos menos preocupados. Uma fonte lembrou que o rito tradicional para que governos acessem dados das operadoras sempre foi recorrer à Anatel. “Sempre funcionou e há previsão legal, pois a relação natural das empresas é com a agência reguladora do setor”, argumenta. Dentro das empresas também há questionamentos sobre a necessidade de obtenção de dados de ao menos 226 milhões de clientes para a realização de uma pesquisa que ouvirá năo mais do que três mil pessoas pessoas ao longo de três meses. Para essa quantidade de entrevistas, avaliam, os dados repassados pela Anatel, relativos à pesquisa interna de satisfação do consumidor, já seriam suficientes.

Falha de comunicação

Para Roberto Olinto, ex-presidente do IBGE, ex-diretor de estatística do instituto e atualmente pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, o órgão ainda precisa esclarecer porque precisa dos dados das operadoras. Segundo ele, o IBGE já tem uma base de dados para a realização da PNAD-Contínua. A pesquisa é feita com amostra de 70 mil domicílios, e a base de dados dos domicílios registrados já contam com telefone, nomes e endereços. “Se a intenção é usar os dados para uma nova pesquisa sobre a Covid, então a presidência, a diretoria, precisam publicar a metodologia. Tem que ter transparência”, afirma. Olinto critica o uso de medida provisória para obrigar as empresas a repassarem seus dados ao IBGE. “Nunca vi o instituto pedir acesso aos microdados de uma base pertencente a uma empresa. Por lei, ele pode, sim, exigir os dados da empresa, mas não suas bases. O normal é uma relação com o regulador, como a Anatel, que passou os dados pedidos”, ressalta. Ele ressalta que o IBGE tem um excelente quadro técnico e não registra incidentes de vazamentos de informações. O que há no momento é resultado de uma desconfiança em função do clima político, falta de transparência e incapacidade de comunicação da gestão do órgão. E a emissão de uma MP só piora a situação. “Por não ter um instrumento legal adequado, o gestor de uma operadora não vai querer passar os dados porque ele pode ser incriminado. Pode ser feito um acordo com termos de sigilo e responsabilidade, assinados calmamente, mas não em MP”, conclui.

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Rafael Bucco

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