Para a Intel, abertura das redes com APIs ainda demora a acontecer

Juan Casal, diretor de telecom da Intel para a América Latina, vê oportunidades em iniciativas como o Open Gatway e borda de rede federada, mas diz que modelo tem desafios técnicos e regulatórios a superar.
Juan Casal, diretor de empresas de telecomunicações e digitais da companhia para a América Latina
Juan Casal, diretor de empresas de telecomunicações e digitais da Intel para a América Latina, vê modelo de APIs com interesse, mas diz que ainda precisa evoluir

A borda da rede é a promessa do futuro com a chegada do 5G. É ali que está o processamento das tecnologias inovadoras e de baixíssima latência que farão a diferença em aplicações industriais e corporativas. Para acelerar a implantação e uso dessa arquitetura distribuída de recursos da rede móveis, há propostas em todo o mundo para criação de uma borda federada, ou seja, uma infraestrutura em comum compartilhada por todas as operadoras. Há também a proposta de uso de APIs, modelo pelo qual as operadoras cedem a terceiros acesso controlado às redes, que passam a operar com modelo de contratação sob demanda, de forma semelhante à nuvem.

A Intel, grande fabricante de chips, tem muito a se beneficiar destas propostas, uma vez que dependem da virtualização crescente das redes. Mas, segundo Juan Casal, diretor de empresas de telecomunicações e digitais da companhia para a América Latina, o modelo ainda está muito no começo. Incipiente, precisará de alguns anos ainda para pegar. Além disso, ele vê obstáculos técnicos e regulatórios que precisam ser superados.

“Do ponto de vista técnico, para que isso [uso de API] seja uma realidade, precisamos ter arquiteturas muito mais abertas do que as atuais. Se queremos criar uma infraestrutura de rede federada para funcionar como serviço, precisamos ter uma tecnologia subjacente que seja aberta e interoperável com qualquer usuário potencial, com qualquer operador potencial”, observou em entrevista exclusiva ao Tele.Síntese. Confira os melhores trechos da conversa abaixo:

Tele.Síntese: Como a Intel enxerga o mercado brasileiro para o desenvolvimento da área de telecomunicações?

Juan Casal: Atualmente, os investimentos da Intel estão focados no nosso plano IDM 2.0. Nos últimos anos, o mundo tem visto um aumento na demanda por novas tecnologias, mas os contextos sociopolíticos dificultaram uma distribuição mais equilibrada de produtos como semicondutores. No entanto, espera-se que essas ações tenham um impacto positivo nos negócios e operações da Intel no Brasil no futuro, em diferentes setores, incluindo o de telecomunicações.

Nossa estratégia IDM 2.0 possui três pilares. Um deles é aumentar a capacidade de produção, incluindo grandes investimentos na Europa e em Ohio (EUA). Mas também em outros países, incluindo a América Latina. Temos operações na Costa Rica e produção em Guadalajara.

Continuamos explorando outras oportunidades. Acreditamos que o Brasil pode agregar valor nesse contexto. Atualmente, já existem técnicos brasileiros que fazem parte de equipes globais de desenvolvimento. Vemos oportunidades no Brasil devido ao tamanho do mercado e ao talento disponível. Também contamos com uma grande base industrial no Brasil [de parceiros]. Além disso, é um dos maiores mercados desenvolvedores de software, principalmente de código aberto.

Os produtos e tecnologia da Intel estão presentes em diversos produtos fabricados por empresas terceirizadas no Brasil. Estamos focados em realizar investimentos e colaborações com empresas privadas e o governo para gerar valor para o país.

Como vocês trabalham com os integradores para que a tecnologia Intel seja utilizada em telecomunicações? Ericsson, Huawei, Nokia, por exemplo, têm seus próprios semicondutores. Mas a Intel fabrica chips para data centers. Onde, então, estão seus semicondutores nas redes especificamente?

Juan Casal: Tradicionalmente, as redes dos operadores eram baseadas em equipamentos monolíticos, equipamentos proprietários. Com o NFV (Network Function Virtualization), começou-se a caminhar nessa direção.

É uma corrida em direção à virtualização e à transferência de muitas das funções de rede que antes eram definidas de forma monolítica e em equipamentos proprietários, para a virtualização em servidores de propósito geral. Estamos nesse caminho há muitos anos, é aí que a Intel começa a desempenhar um papel mais relevante do que antes.

Vale ressaltar que a Intel possui um portfólio que não se limita apenas a chips para servidores de data center. Fabricamos todo tipo de chips. Muitos dos nossos chips também estão presentes nesses equipamentos tradicionais, embora sejam menos conhecidos, não sejam os que costumamos ouvir falar.

A América Latina é uma região muito diversa, com países apenas com 4G, e países como o Brasil, implantando o 5G. A Intel foca mais nos países que estão implementando o 5G?

Juan Casal: Estamos olhando o médio e longo prazo, onde o 5G será uma realidade em todos os lugares, e estamos apostando nesse futuro, o que nos leva a trabalhar hoje com todos os operadores em todos os países, de forma igual.

As conversas são diferentes em um país com espectro já em implantação e casos de uso mais concretos em desenvolvimento do que em países onde talvez se esteja um passo atrás.

Em várias métricas, quando prevemos o crescimento anual composto do tráfego móvel, por um longo período, de 2021 a 2028, a região da América Latina é, de longe, a número 1 no mundo.

Portanto, quando vemos que a região como um todo tem uma preponderância tão importante no tráfego móvel, sabemos que é apenas uma questão de tempo para que alguns países mais atrasados do que outros em termos de licitação do espectro ajam.

A estratégia da Intel para a região envolve semicondutores e também software?

Juan Casal: Sim, temos uma estratégia tanto para hardware quanto para software. Atualmente, a Intel possui uma plataforma de software chamada FLEXRan, que é utilizada em cada parte da arquitetura RAN.

Estamos criando gerações cada vez mais customizadas dos chips, e isso tem muito a ver com nossa última geração de processadores Xeon. Estamos adicionando capacidade de processamento personalizada para diferentes cargas de trabalho.

Em software, temos testes com Casa Systems, NEC e Nokia, simplificando o acesso aos principais recursos dos processadores Intel Xeon Scalable de 3ª e 4ª gerações, incluindo telemetria de energia, controle granular de energia e troca de frequência de baixa latência.

Em relação ao mundo específico das telecomunicações, temos um acelerador específico para a virtualização de RAN.

Queria falar da inteligência artificial. Como a Intel vê as operadoras se beneficiando disso?

Juan Casal: A inteligência artificial é um dos imperativos digitais neste momento. Na Intel, temos a convicção de que é uma das tendências tecnológicas que transformarão a região a partir de 2023.

Fala-se muito da rede que se autoaperfeiçoa, que se autorresolve quando há um problema, que se autoequilibra. E para conseguir isso, obviamente existem muitas informações em tempo real que são geradas.

Esses parâmetros impõem diferentes requisitos. E diferentes cargas para a rede, e justamente a inteligência artificial traz a possibilidade de fazer com que essas redes avancem por si mesmas.

Em qual ponto da rede 5G está a maior oportunidade de mercado para a Intel?

Juan Casal: No início da conversa falamos justamente sobre o crescimento da virtualização das redes 5G. A oportunidade mais direta hoje está no núcleo da rede. A maioria dos núcleos funciona com processadores Intel.

Mas, se considerarmos a oportunidade da virtualização das RANs e pensarmos na quantidade de antenas implantadas em qualquer cidade, isso nos oferece uma oportunidade gigantesca no futuro.

E, indo além do operador, pensando também do ponto de vista empresarial, já que o 5G não se trata tanto do consumidor final como era o caso do 4G…

No 5G, há a ideia de Indústria 4.0, que tem muito mais a ver com máquinas se comunicando entre si e com a criação de fábricas inteligentes ou negócios inteligentes.

Então, a oportunidade do 5G se estende além do operador, embora o operador ainda desempenhe um papel importante, começamos a ver como ela também ilumina todas as verticais, todas as empresas, todas as fábricas, todas as indústrias.

É uma oportunidade difícil de dimensionar atualmente, mas é uma oportunidade muito grande para a Intel.

A Intel vê oportunidades no uso de APIs para as operadoras abrirem as redes a terceiros? Vai exigir mais poder computacional?

Juan Casal: Essa ideia de redes que podem ser assinadas de acordo com a necessidade de um operador ou até mesmo de uma empresa, é uma visão. Obviamente, não estamos lá, não é tão real no momento.

Existem iniciativas para a criação do que é chamado de “Edge federado”, uma borda de rede federada entre todos os operadores. É uma ideia muito interessante, mas ao mesmo tempo é uma ideia incipiente. Por quê? Porque há muitos desafios, desafios regulatórios, desafios técnicos.

Do ponto de vista técnico, para que isso seja uma realidade, precisamos ter arquiteturas muito mais abertas do que as atuais.

Se queremos criar uma infraestrutura de rede federada para funcionar como serviço, precisamos ter uma tecnologia subjacente que seja aberta e interoperável com qualquer usuário potencial, com qualquer operador potencial. Como Intel, temos presença em todos os organismos que estão discutindo essas iniciativas na Europa e já estamos desenvolvendo toda a tecnologia com base nessa abertura e flexibilidade das redes.

A proposta no Mobile World Congress deste ano, de criar um Open Gateway, já está andando, não?

Juan Casal: Sim, é algo em progresso. Obviamente, como toda tecnologia, está evoluindo, e não é que de repente apareça um dia completo, mas vemos diferentes versões, diferentes interações. Existem essas iniciativas de operadoras e vendedores para tornar a tecnologia mais interoperável. A iniciativa e a tecnologia existem, obviamente em um nível muito, muito incipiente.

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Rafael Bucco

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