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Chegam ao mercado as contas digitais associadas à experiência do cliente. O banco vai mudar?

Neste mês, a Pagseguro, das maquininhas de pagamento, e o Correios Celular, por meio da Surf Pay, iniciaram a oferta de contas bancárias virtuais para seus clientes. São contas gratuitas, nas quais o cliente não paga pelas transações. Outros modelos, como Nubank, têm crescimento contínuo. E os grandes bancos começam a se mexer.

Conta virtual no país não é totalmente novidade. Desde que o Banco Central começou a liberalizar as regras de atuação bancária, permitindo a abertura e encerramento de contas por meio eletrônico, em 2016, e a reduzir as barreiras de acesso a bancos virtuais, as ofertas começaram a surgir no mercado brasileiro. Inter, Neon e Nubank lançaram suas operações, bancos tradicionais saíram da letargia: o Bradesco criou um produto totalmente novo, o Next, uma conta digital sem tarifa e condições especiais e o Itaú acaba de anunciar a conta digital iti para o terceiro trimestre do ano. Mas o que tem de disruptivo nos lançamentos da Pagseguro e dos Correios Celular, que começaram a oferecer este mês conta bancária virtual a seus clientes, é que eles estão associados aos serviços que as empresas prestam. A primeira vende máquinas de débito/crédito a milhares de pequenos estabelecimentos e prestadores  de serviços e processa os pagamentos dos cartões; a segunda presta serviço de telefonia celular pré-paga a pessoas físicas.

Quem faz essa avaliação sobre a mudança de conceito associada à experiência do cliente é João Bezerra, um especialista em tecnologia bancária que por 36 anos trabalhou nas áreas de telecomunicações, redes e tecnologia do grupo Itaú Unibanco e, agora, se dedica a estudar a revolução que varre este mercado, em especial nos países asiáticos e africanos. Ele está convencido de que, mesmo incorporando muita tecnologia, os bancos tradicionais resistiram muito a mudar, e agora vão ter que mudar. “O banco deveria ser experiência e não produto. Os bancos ainda vendem produto. Se organizam por produto. O banco do futuro tem que ser invisível ao cliente”, diz ele.

O banco invisível é o que avança em países onde a população desbancarizada é elevada como no Quênia, onde o M-Pesa, carteira eletrônica por celular, contava no final de 2018, após 11 anos de seu lançamento pela Safaricom, com 17 milhões de clientes (36% da população); ou em Bangladesh, onde o bKash, o banco celular lançado em 2011, transformou-se em 2018 no principal provedor de serviço financeiro para a população, já que 70% dela vive em áreas rurais com dificuldade de acesso aos serviços bancários tradicionais. Na esteira do bKash surgiram outros serviços financeiros móveis no país, como o Rocket.

Joao Bezerra, engenheiro, especialista em tecnologia e sistemas bancários foto: Divulgação

O banco invisível também vem associado a tecnologias bem mais atuais como QR Code, inteligência artificial e reconhecimento facial. E o país que mais está explorando essas possibilidades é a China, relata Bezerra, que se prepara para um giro por aquele país, passando também por Israel e Estônia. Lojas e restaurantes de grandes cidades chinesas já não usam mais cartões de débito ou crédito. Transações financeiras são feitas por QR Code ou reconhecimento facial.

Pagseguro e Correios Celular

O que existe de comum nas ofertas lançadas pela Pagseguro e pelo Correios Celular neste mês de maio para sua base de clientes é que ambas as empresas estão oferecendo conta digital gratuita associada ao serviço. O público da Pagseguro, com 2,45 milhões de clientes ativos em dezembro de 2018, são pequenos empresários e trabalhadores autônomos. Com a conta digital, que instalam no celular baixando um aplicativo, vão poder fazer recarga no celular, realizar transferências, fazer depósitos, saques, solicitar empréstimos e receber um cartão pré-pago, da bandeira Mastercard, gratuito e sem cobrança de anuidade, que pode ser utilizado no Brasil e no exterior, em lojas físicas e on-line.

A conta digital Surf Pay, do Correios Celular, é voltada ao cliente do pré-pago. O serviço registrava, nesta semana, 750 mil chips comercializados em 4 mil municípios do país. Funciona de forma bastante semelhante. Só que, por enquanto, o cliente não vai ter acesso a empréstimos. “Já entramos com solicitação junto ao Banco Central para licença de crédito direto”, informa Yon Moreira, CEO da Surf Telecom, operadora que presta serviços de rede aos Correios Celular usando a infraestrutura da TIM. Ela é uma MNVO (Mobile Network Virtual Operator) e é a empresa que desenvolveu a plataforma de serviço financeiro da conta virtual, a Surf Pay.

O primeiro cliente da Surf Pay foi um time do interior de São Paulo, clube de futebol do ex-Bradesco Mario Teixeira. Os atletas do Audax baixaram no celular o app da conta digital com suas funcionalidades, que incluem também acesso a um cartão de crédito internacional pré-pago, só que da bandeira Visa. No momento, a empresa negocia com uma rede de farmácias com 200 lojas na periferia da região metropolitana de São Paulo e na Baixada Santista o uso da plataforma pelos seus clientes.

Yon Moreira, CEO da Surf Telecom foto: Lia Ribeiro Dias

Na avaliação de Yon, trata-se de um serviço que vai agregar muito valor ao seu negócio. “Não vamos ganhar dinheiro com as transações bancárias. No futuro, vamos ser remunerados por outros serviços, como pelos empréstimos”, diz ele. Então, como agrega valor no curto prazo? Primeiro, está convencido de que vai ampliar a base de clientes mais rapidamente; depois, que pode aumentar a recarga de créditos no celular. Hoje, relata ele, 60% dos clientes do Correios Celular, fazem a recarga dos créditos em dinheiro. Para isso, têm que se deslocar até uma agência dos Correios. Com a conta digital, vão poder comprar os créditos pelo próprio celular.

Yon lembra que as novas tecnologias digitais podem ajudar a vencer o desafio da bancarização a um custo baixo e facilitar enormemente a vida das pessoas de baixa renda, desde que se encontre um aparelho celular de qualidade pelo qual a população possa pagar.  Pesquisa do Instituto Data Popular realizada em 2017, indicava que cerca de 55 milhões de brasileiros eram desbancarizados (sem nenhum vínculo com instituições bancárias), o que representava  39,5% dos moradores do país com mais de 18 anos e que movimentaram aproximadamente R$ 655 bilhões. Desse total, 20 milhões (37%),  eram de classe baixa; 29 milhões (48%) da classe média; e seis milhões dos brasileiros (11%) pertenciam à classe alta.

Se a operadora não ganha com as operações financeiras realizadas via conta digital, o cliente Correios Celular ganha. Ele será remunerado, pela operadora, por transação. Esta será a segunda parceria dos Correios no segmento de serviços financeiros. A primeira foi com a conta.Mobi, por meio da qual oferece o Aporte e Saque para pessoas jurídicas. Além disso, tem um serviço próprio, o Banco Postal.

Os bancos-plataformas e a reação dos grandes

Sem dúvida nenhuma, a entrada em cena dos chamados bancos-plataforma chacoalhou o mercado. Com estrutura mais enxuta, mais ágeis e mais competitivos, bancos digitais como Nubank, Inter e Neon, por exemplo, vêm registrando acelerado crescimento. Ao final do primeiro trimestre, o Inter, com sede em Belo Horizonte anunciou ter atingindo 2 milhões de correntistas, com planos de dobrar a base até o final do ano. O Neon contava na mesma época com 1,6 milhão de clientes, e o Nubank registrava, no início de maio, 4 milhões de clientes na NuConta, lançada 18 meses antes.

Cada um com sua estratégia, o que têm em comum é que geralmente não cobram pela abertura da conta, ela é feita sem burocracia, há serviços gratuitos ou as tarifas são muito inferiores às dos bancos convencionais. “O perfil do nosso cliente diz muito mais respeito a comportamento do que a idade: é uma pessoa que não quer perder horas na fila de uma agência e prefere resolver tudo direto pelo celular”, diz Vitor Olivier, líder da NuConta, ao explicar a explosão do crescimento do serviço lançado pelo Nubank, fintech criada em 2013 como operadora de cartão de crédito que, no ano passado, atingiu valor de mercado de US$ 1 bilhão. Olivier atribuiu o elevado percentual de desbancarizados no Brasil aos juros muito elevados, às tarifas bancárias caríssimas e ao excesso de burocracia.

Vitor Olivier, líder da NuConta foto: Divulgação

A fórmula do sucesso? “Qualquer pessoa com mais de 18 anos e um smartphone pode baixar o aplicativo e criar a sua NuConta em três minutos. Todo dinheiro depositado nela tem um rendimento automático superior ao da poupança e o cliente pode pagar boletos, fazer transferências gratuitas e ilimitadas, sem taxas ou mensalidades. Além disso, desde dezembro, os clientes também estão gradualmente recebendo a função de débito, que já está sendo usado por mais de meio milhão de pessoas”, diz Olivier.

Apesar dos números expressivos de crescimento da base de clientes dos bancos-plataforma, João Bezerra não considera sua atuação disruptiva. “Eles fazem o mesmo que os bancos tradicionais. Vendem produtos. Só que cobram tarifas menores. Não trouxeram um novo modelo”, avalia ele. Isso não quer fizer que Bezerra não considere sua atuação positiva. “Trouxe concorrência e está fazendo o mercado se mexer.”

A maior prova da preocupação dos grandes bancos é o anúncio do Itaú Unibanco. Ele vai lançar no terceiro trimestre o iti, uma plataforma, com biometria, capaz de receber depósitos, efetuar transferências entre seus usuários e quaisquer bancos, além de realizar pagamentos em estabelecimentos comerciais. Quem baixar o serviço não terá de pagar taxa alguma para realizar transferências entre usuários iti. Para transferências destinadas a outros bancos ou serviços de conta digital, haverá cobrança por operação, de R$ 1,99. Mas não haverá, promocionalmente, cobranças até o final deste ano.

As fintechs estão comento o mercado dos serviços financeiros pelas bordas.  Mas, alerta Bezerra, o futuro está mesmo é na experiência do cliente. Quem não perceber isso, bancos tradicionais ou fintechs, pode ficar fora do jogo. E ele lembra que, pela sua força, base de clientes e experiência tecnológica, dificilmente os grandes bancos que operam no país correm o risco de virar uma Kodak. O futuro dirá.

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