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Justiça

Ministros expõem diferentes visões sobre órgão regulador para plataformas

Barroso manifestou opinião pessoal, defendendo "minoria do Estado" em eventual entidade supervisora. Gilmar Mendes destacou precedente que entende as agências reguladoras como instituições democraticamente legítimas para atuar frente ao mercado.
Ministros lançam diferentes visões sobre órgão regulador para plataformas | Foto: Paulo Victor Lago/Abranet
Para ministro Luís Roberto Barroso, regulação de plataformas não cabe à Anatel | Foto: Paulo Victor Lago/Abranet

O setor de TICs se reuniu em diversos eventos na capital federal ao longo desta semana para discutir os temas que envolvem o mercado, em todos eles, a regulação das plataformas digitais foi mencionada. Desta vez, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) também contribuíram para o debate, apresentando visões diferentes sobre a principal questão que se discute atualmente: quem deve regular?

Nesta quinta-feira, 22, o ministro Luís Roberto Barroso manifestou sua opinião pessoal durante o 3º Congresso Brasileiro de Internet, realizado pela Abranet (Associação Brasileira de Internet), onde se opôs à escolha da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para esse papel. 

“Eu, pessoalmente, preferia que fosse um órgão não governamental a fazer o monitoramento [das redes sociais]. A liberdade de expressão no Brasil tem um histórico muito acidentado para a gente querer excessiva intervenção governamental em monitoramento de conteúdos. Eu prefiro um organismo e em que haja representante governamental, haja representante da plataforma, representante das universidades e haja uma representação da sociedade civil. Portanto, com minoria do governo e minoria das plataformas”, afirmou o magistrado. 

O ministro também não vê como necessária a participação do Judiciário em uma entidade supervisora ou do Conselho Consultivo da Anatel. “Eu tenho um certa dúvida do Judiciário, como instituição, participar desses eventos. Acho que o Judiciário tem que ser a instância recursal. Portanto, se o órgão de monitoramento tomar uma decisão que se queira questionar, o Judiciário tem que ser o árbitro imparcial para saber se a decisão foi justa ou se não foi justa”, afirmou Barroso à imprensa. 

O papel das agências

Foto: Tele.Síntese
Em evento da Telcomp que debateu regulação de plataformas, ministro Gilmar Mendes falou sobre precedentes que se aplicam à Anatel | Foto: Tele.Síntese

Em outro ângulo de visão, o ministro Gilmar Mendes se apresentou no III Simpósio da Telcomp (Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas), destacando que as agências reguladoras surgiram da abertura do mercado e que há precedentes do Supremo que legitimam as decisões das autarquias.

“O que torna a regulação boa ou ruim não é em si o resultado por ela gerado, mas, principalmente, e acho que é um dado importante, sua concepção institucional. A natureza jurídico-funcional da decisão administrativa pode, por exemplo, refletir valores democráticos por meio da exteriorização do processo via procedimento administrativo, apoiado na transparência, na visibilidade e na obtenção de apoio social, na melhoria do conteúdo de regulamentações propostas, na antecipação de críticas de atores sociais e na abertura a críticas da proposta regulatórias em si”, citou Mendes.

Sem dizer expressamente um sim ou um não para a Anatel, o ministro pontuou que os órgãos reguladores têm suas competências frequentemente reforçadas pelo STF quando o Congresso Nacional tenta impor uma norma que contraria as resoluções técnicas das autarquias, observando sempre a área de atuação prevista a elas em lei.

“Se eu tivesse mais tempo, eu até diria que uma lei criadora de uma agência na leitura que se fez, desde que a agência atue dentro dos parâmetros de suas competências, é como se ela formasse um bloco de constitucionalidade entre a lei instituidora da agência e a própria constituição”, afirmou o ministro.

Marco Civil da Internet

(Crédito: Nelson Jr./STF)

Em maio, após o Projeto de Lei que regula plataformas digitais ter votação adiada na Câmara dos Deputados (PL 2630/2020), a ministra Rosa Weber, presidente do STF, pautou recursos que tratam da responsabilidade das big techs frente aos conteúdos nocivos compartilhados pelos usuários para decisão em plenário. No dia marcado, 17 de maio, o tema foi adiado com previsão de análise em junho, o que também não ocorreu. 

O gesto foi interpretado como pressão para que o Congresso deliberasse sobre o assunto, já que a proposta de lei é mais completa que a decisão que o Supremo pode tomar. Nesta quinta-feira, 23, o relator do PL, Orlando Silva (PCdoB-SP) afirmou que o Judiciário “deu mais tempo” para o Legislativo. A expectativa é de que a matéria seja debatida no próximo semestre

Embora o julgamento no STF não tenha data específica, membros da Corte já compartilharam diversas vezes suas opiniões sobre a necessidade de uma regulação das plataformas digitais e também acerca de mudanças na interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet, dispositivo a ter sua constitucionalidade atestada nos recursos que aguardam decisão. 

O trecho em questão diz que “o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências”.

Ainda nesta quinta, o ministro Barroso defendeu mudanças no texto atual. “Eu continuo achando que a regra geral do Marco Civil da Internet é boa. A retirada de conteúdo deve ser precedida de ordem judicial. Só que de quando o Marco Civil da Internet foi elaborado para cá – e tem mais de uma década – o mundo mudou muito e o papel das plataformas digitais mudou muito. De modo que, hoje, acho que talvez já se possam abrir algumas pouquíssimas exceções”, disse. 

As exceções em questão, para Barroso, seria em caso de crime ou clara violação de direito. O entendimento está alinhado com outras autoridades que já opinaram sobre as regras. No entanto, a efetiva atualização das normas atuais,  segue em texto desconhecido, embora “inevitável”, como classifica o magistrado.

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